TRT-MG condena empresa por dano moral coletivo por interferência em atividade sindical
(*) Luiz Salvador
O TRT-MG, por sua 4ª Turma, acaba de condenar empresa metalúrgica de grande porte sediada em Minas Gerais por dano moral coletivo decorrente de sua interferência indevida em atividade sindical, ficando, inclusive proibida de continuidade de práticas de coação ou intimidação sobre seus empregados no seu livre direito de associação sindical, fixando o valor de R$ 500.000,00, por dano moral coletivo, além da multa diária correspondente a outros R$ 100.000,00, na hipótese de descumprimento do comando sentencial.
A conclusão da Turma foi de que houve dano à coletividade, que teve a dignidade e a honra abalada em face do ato ilícito da empresa, a quem cabe a reparação moral: “Entendo perfeitamente aceitável a reparabilidade do dano moral em face da coletividade - consubstanciada em coação praticada para manutenção da jornada de oito horas em turnos de revezamento ininterrupto - que apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal a receber proteção do Direito”
A Ação Civil Pública foi movida pelo Ministério Público do Trabalho, sendo que na análise do processo o desembargador Júlio Bernardo do Carmo, relator do processo, analisando a prova produzida concluiu ser verossímil as alegações da exordial no sentido de que a empresa ameaçava de dispensa seus empregados caso não pressionassem o sindicato a renovar o acordo coletivo que autorizava a jornada de oito horas de trabalho diário em turnos de revezamento ininterrupto.
A apuração dos fatos denunciados na ação decorreram previamente da instauração pelo MPT de inquérito civil público, onde o MPT constatou a ocorrência inclusive de vários casos de trabalhadores afastados por problemas de saúde ocasionados pela jornada elastecida.
A decisão exemplar e paradigma do TRT mineiro tem suporte na garantia de liberdade sindical assegurada pela nossa Carta Cidadã que proíbe interferência de todos na atividade sindical:
“É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II – (...)” (art. 8º).
Leia a íntegra do Acórdão:
Processo : 00350-2008-056-03-00-0 RO
Data de Publicação : 31/01/2009
Órgão Julgador : Quarta Turma
Juiz Relator : Des. Julio Bernardo do Carmo
Juiz Revisor : Des. Antonio Alvares da Silva
Recorrente(s): Sindicato dos Trabalhadores nas IndÚstrias MetalÚrgicas, MecÂnicas e de Material ElÉtrico de TrÊs Marias (1)MinistÉrio PÚblico do Trabalho (2)
Recorrido(s): os mesmos e (1)Votorantim Metais Zinco S.A. (2)
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO MORAL COLETIVO - COAÇÃO PELA EMPREGADORA AO UNIVERSO DE TRABALHADORES SUBMETIDOS A TURNOS DE REVEZAMENTO ININTERRUPTOS - PRESSÃO PARA APROVAÇÃO DE ELASTECIDA JORNADA. Não pairam dúvidas, no vertente caso, quanto à qualificação coletiva dos interesses em jogo na Ação Civil Pública intentada, mediante a qual busca o douto parquet abstenha-se a empresa requerida “de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimação sobre os seus empregados, com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e a livre manifestação de vontade dos trabalhadores”, bem como “de interferir, sob qualquer pretexto, nas atividades do Sindicato profissional”, como formulado na atrial, em decorrência da conduta adotada pela ré, plenamente demonstrada através do acervo fático-probatório ao processado coligido, de coagir seus empregados e afastar a atuação sindical lídima, com o objetivo único de manter a jornada de oito horas de trabalho diário em turnos de revezamento ininterrupto. Evidenciado, com base no contexto dos autos, a conduta reiterada e ostensiva, a coação velada da Votorantim capaz de macular a real manifestação de vontade dos trabalhadores, perante o ente sindical, constrangidos a praticar um ato jurídico, qual seja, a suposta concordância com a jornada elastecida que, não obstante externada, não representava sua livre aquiescência, praticou a empresa inadmissível ingerência na organização sindical. Patente o dano à coletividade, que tem a dignidade e a honra abalada em face do ato infrator, cabe a reparação moral, cujo dever é do causador do dano, em montante revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário, em que figuram como recorrente(s) SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DE TRÊS MARIAS (1) e MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (2) e, como recorrido(s), OS MESMOS (1) e VOTORANTIM METAIS ZINCO S.A. (2).
I - RELATÓRIO
Cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo douto Ministério Público do Trabalho em face da empresa Votorantim Metais Zinco S.A., em trâmite perante a Vara do Trabalho de Curvelo, onde postula a condenação da empresa em obrigação de não fazer, abstendo-se “de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimidação sobre os seus empregados, com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e a livre manifestação de vontade dos trabalhadores”, bem como “de interferir, sob qualquer pretexto, nas atividades do Sindicato profissional” como formulado nos itens 1 e 2 do rol de fl. 23, respondendo, ainda, por indenização decorrente de dano moral coletivo no importe de R$1.000.000,00 (um milhão de reais, item 3), oriundo da conduta adotada, consubstanciada em coação praticada para manutenção da jornada de oito horas em turnos de revezamento ininterrupto.
Em sentença proferida às fls. 1334/1355, da lavra da Exma. Juíza Vanda Lúcia Horta Moreira, cujo relatório adoto e a este incorporo, foram rejeitadas as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho, inépcia da inicial e carência da ação, e julgada improcedente a pretensão deduzida na inicial.
Às fls. 1360/1364, recorre ordinariamente o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Três Marias, inconformado com a rejeição do pedido de integração à lide formulado, como litisconsorte ativo ou assistente litisconsorcial do autor e com o qual concordavam, tanto o Ministério Público como a empresa demandada.
Recorre também o Ministério Público do Trabalho às folhas 1392/1437, pela reforma in totum do julgado e procedência da ação proposta, reiterando a existência de prova nos autos, hábil à demonstração da pressão e coação exercida pela ré em face dos trabalhadores para efeitos de manutenção dos turnos de revezamento de oito horas diárias, ensejadora dos pedidos concernentes à obrigação de não fazer e pagamento de indenização por dano moral coletivo praticado.
Contra-razões pela ré às fls. 1370/1376 e 1445/1471 e, pelo MPT, às fls. 1382/1390.
É o relatório.
II - VOTO
1 - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Publicada a r. sentença vergastada no dia 30.07.2008, quarta-feira (fl. 1359) e intimado o MPT, pessoalmente, apenas em 04.09.2008, quarta-feira (fl. 1379), revelam-se próprios e tempestivos os recursos interpostos tanto pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Três Marias, em 30.07.2008 (fl. 1360), como pelo autor, na data de 12.09.2008 (fl. 1382), devidamente assinados, representações regulares (procuração outorgada pelo Sindicato aos subscritores à folha 912, MPT representado por Procuradora do Trabalho.
E a propósito do recurso ordinário apresentado pelo ente sindical, esclareço para que dúvida alguma remanesça, que a decisão interlocutória proferida às folhas 1161/1162 (6º. Volume), que indeferiu a pretensão então esposada quanto à integração à lide na qualidade de assistente litisconsorcial, sequer era, no âmbito da processualística do trabalho, de imediato recorrível (art. 893, § 1º, da CLT e Súmula 214 do TST). Tanto assim que impetrou o Sindicato mandado de segurança (processo n. 00982-2008-000-03-00-9, v.g. informação contida à folha 1362), cujo processamento foi, contudo, indeferido, porque ao tempo da apreciação já havia sido proferida a r. sentença agora recorrida, nesses termos (fl. 1365, in verbis): “Todavia, em consulta ao site deste Egrégio Regional, evidencia-se que já se encontra encerrada a instrução probatória na referida Ação Civil Pública, tendo sido prolatada decisão no dia 22/07/08 e julgados improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho, consistente na condenação da litisconsorte em obrigação de não fazer (se abster de exercer coação, pressão ou intimidação sobre seus empregados e se abster de interferir nas atividades do sindicato, bem como pagar multa pelo dano coletivo no valor de R$ 1.000.000,00). Destarte, encerrada a instrução probatória e prolatada a decisão, não há mais razão para que se proceda à integração do sindicato à lide, cabendo, agora, a interposição de recurso próprio, não podendo a pretensão ser suprida através da via processual eleita. Com efeito, dispõe o inciso II do artigo 5º. da Lei 1.533/51 que não se dará mandado de segurança quando se tratar de despacho ou decisão judicial, em que haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição. Na hipótese que se examina, até mesmo a alegação de eventual nulidade processual poderá ser ventilada, considerando o interesse deduzido pelo impetrante na produção de prova. A pretensão deduzida no presente mandado de segurança encontra obstáculo na sentença já proferida a qual só pode ser desconstituída pelos meios próprios, à disposição da parte interessada. A espécie atrai, ainda, a aplicação da OJ no. 92 DA SDI-II/TST in verbis: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido”.
Por óbvio não nos cabe, aqui, concordar ou divergir da decisão proferida no mandamus, mas, apenas, em atenção a mais plena entrega da prestação jurisdicional, com foco, ainda, na dicção expressa do parágrafo único, do artigo 50 do CPC (“A assistência cabe em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de jurisdição”), bem como na atenção ao octídio legal posterior à prolação da sentença definitiva, admitir o apelo.
Escorreitas, igualmente, as contra-razões apresentadas pelo MPT e pela requerida, em face de ambos os recursos (fls. 1367 c/c 1381/1382, fls. 1368 c/c 1370 e fls. 1438/1439 c/c 1445), devidamente assinadas pelos procuradores constituídos (representação da ré consoante folhas 868/869 e 974).
Conhecimento não merece, contudo, a argüição formulada pela Votorantim às folhas 1469/1471, a título de preqüestionamento, mas que, no fundo, acaba renovando as questões incidentais nas quais vencida em primeiro grau. Veja-se que, textualmente, reitera a ré a inadmissibilidade da presente ação civil pública, a inépcia da inicial, a ausência de interesse de agir, a impossibilidade jurídica do pedido e, ainda, a ilegitimidade da parte e inexistência de interesse específico, tudo na hipótese de “ser reformada a decisão”. Em casos tais, cabível é o recurso adesivo, até porque, de todo inolvidável, para se adentrar ao meritum causae, rejeitadas foram em primeira instância as prefaciais em tela. Logo, somente através do manejo do recurso ordinário adesivo poderia mesmo a demandada buscar a reapreciação, ou o “preqüestionamento” (como prefere de maneira perspicaz alegar), a reforma da sentença recorrida, no aspecto, ou o enfrentamento da matéria, uma vez que em face do recurso ordinário pelo ex adverso, a sentença de primeiro grau, antes improcedente, pode vir a ser reformada em sentido favorável ao autor e desfavorável à vencedora no julgado primevo.
A se entender de modo diferente, lesado restaria o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, ao devido processo legal, bem como o acesso ao Poder Judiciário, inclusive, eventualmente, ao Colendo TST e ao Excelso STF, posicionamento, a propósito, precedentemente já referendado por este Egrégio Regional, in verbis:
“EMENTA: RECURSO ADESIVO. INTERESSE EM RECORRER. Ainda que improcedentes os pedidos da ação trabalhista, basta que o reclamado seja vencido em alguma preliminar suscitada para justificar a interposição de recurso. Nesta hipótese, fica na condição de vencido, pelo que deve ser conhecido o apelo, a teor do que prevê o artigo 499/CPC” (RO - 18179/99, Relator Desembargador Luiz Ronan Neves Koury DJMG 30/05/2000).
No mesmo diapasão já decidi, em símile discussão, no julgamento do processo 00129-2007-060-03-00-0 RO, DJMG 15/12/2007, no qual também atuei como Relator. E mais, para sedimentar o entendimento que se adota, ainda convém lembrar que as razões de contrariedade não são submetidas ao contrário, para manifestação e ciência da parte contrária, outro óbice que se alia ao não conhecimento do pretendido “preqüestionamento” das questões incidentais nas quais vencida a requerida que, de toda sorte, “prequestionadas” já foram em primeiro grau de jurisdição ante a explícita adoção de correspondente tese a respeito.
Em suma: satisfeitos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos ordinários interpostos, bem como das contra-razões, excetuando, na empresária, a renovação, ainda que para fins de preqüestionamento, das preliminares em primeiro grau rejeitadas.
2 - JUÍZO DE MÉRITO.
2.1 - RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO dos Trabalhadores nas IndÚstrias MetalÚrgicas MecÂnicas e de Material ElÉtrico de Três Marias
2.1.1 - ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL
Insurge-se o ente sindical contra a r. decisão de folhas 1161/1162 (6º. Volume), que indeferiu a pretensão então esposada quanto à integração à lide na qualidade de assistente litisconsorcial.
Afirma que como entidade sindical representativa dos empregados da Votorantim, detém legitimidade para defesa dos interesses daqueles que, como ele mesmo, serão alcançados pela decisão de mérito, nos termos do art. 8º, inciso III, da Carta Magna e artigo 513 da CLT, aduzindo, ainda, o legítimo interesse jurídico em integrar a lide, não tendo havido, sequer, oposição das partes ao pedido, nem do Ministério Público, tampouco da empresa requerida.
Preambularmente, relembre-se que a assistência é regulada no CPC do artigo. 50 ao 55. Está localizada, portanto, no Capítulo V do Diploma Processual, denominado “Do litisconsórcio e da assistência”. Tal postura do legislador pode gerar certas dúvidas, já que a assistência não foi incluída no rol das intervenções de terceiro. Contudo, a doutrina e a jurisprudência dominante, corrigindo o lapso, houve por bem dar à assistência, na delimitação de sua natureza jurídica, os contornos de verdadeira intervenção de terceiros. Subdivide-se, outrossim, em assistência simples e assistência litisconsorcial, com regimes jurídicos diferenciados.
A assistência litisconsorcial é marca do art. 54 do CPC, que dispõe: “Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”.
O assistente litisconsorcial é titular do direito material que no processo está sendo defendido por outrem. Em virtude disto, será diretamente atingido com o resultado da demanda. Logo, seu interesse jurídico é muito maior que o do mero assistente simples, o qual, entrementes, para a presente discussão não nos interessa. Aliás, o assistente litisconsorcial adentra no processo com os mesmos poderes que um litisconsorte, como, por exemplo, preleciona Marcus Vinícius Rios Gonçalves (in Novo curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 01. p. 163):
“As distinções entre o assistente litisconsorcial e o simples são manifestas. O primeiro só pode existir no campo da legitimidade extraordinária, porque ele é o próprio substituído processual. Na qualidade de titular do direito que está sendo discutido, sua intervenção não é subordinada e dependente do assistido. Já o segundo mantém com o assistido uma relação jurídica diferente do que está sendo discutida, mas que será afetada pelo resultado do processo. Por isso, a sua intervenção é subordinada”.
Outrossim, a assistência, segundo o art. 50, § único, do CPC, cabe em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de jurisdição. Entretanto, o assistente recebe o processo no estado em que se encontra. Assim sendo, poderá adentrar no processo até depois de proferida sentença e apresentado recurso, na fase recursal; contudo, os atos pretéritos ou já preclusos não mais poderão ser praticados pelo assistente.
Tecidas tais considerações e retomando o caso concreto em exame, sem dúvida, na vertente hipótese, o sindicato profissional recorrente tem plena legitimidade para a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, nos termos do inciso III do art. 8º da Constituição da República, nos quais se inclui a coletividade de empregados a ser alcançada pela decisão proferida. A liberdade sindical consagrada no art. 8º, caput, da Carta Magna prescreve a independência de atuação das entidades sindicais e o inciso III do mesmo dispositivo constitucional é bastante específico.
Não pairam dúvidas, a propósito, quanto à qualificação coletiva dos interesses em jogo na lide descrita na Ação Civil Pública, mediante a qual busca o douto parquet abstenha-se a empresa requerida “de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimação sobre os seus empregados, com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e a livre manifestação de vontade dos trabalhadores”, bem como “de interferir, sob qualquer pretexto, nas atividades do Sindicato profissional”, como formulado nos itens 1 e 2 do rol de fl. 23, tudo em decorrência da, teoricamente, conduta adotada, de coagir os empregados e afastar a atuação sindical com o objetivo único de manter a jornada de oito horas de trabalho diário em turnos de revezamento ininterruptos.
Inconteste, ainda, a relevância da matéria do ponto de vista social, o que afasta qualquer suposição de proteção apenas a direitos individuais pelo Ministério Público, tornando de todo imperioso assegurar, ao Sindicato representante da categoria profissional, o direito de figurar na lide na condição de assistente litisconsorcial.
Especial relevo alcança, ainda, a peculiaridade de que ninguém impugnou o pedido formulado, pelo contrário, consta expressamente da Ata de folha 878 (quinto volume):
“Dada a palavra ao ilustre Ministério Público do Trabalho o mesmo afirmou que nada tem contra, deixando a critério do julgador a decisão.
Dada a palavra à ilustre procuradora da ré, a mesma a nada se opôs”.
Ora, se nenhuma das partes impugnou o pedido do Sindicato, para atuação como assistente, pode se inserir no processo sem problemas. Confira-se, em reforço, a jurisprudência:
“EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ADEQUAÇÃO E JUSTEZA DA REPRESENTAÇÃO - CLASS ACTION - Na ação civil pública a extensão da coisa julgada àqueles que, tecnicamente, não sejam parte no processo, tem como fundamento o fato de que tais sujeitos são e podem ser substituídos processualmente. Contudo, não se pode considerar que o empregador seja o substituto processual dos próprios empregados, pois existe entre eles o mais patente conflito de interesses da sociedade capitalista. O instituto da class action do sistema norte-americano, que inspirou a ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos prevista pelo Código de Defesa do Consumidor artigos 91 a 100 de forma bem pragmática, disciplinou as hipóteses em que se torna viável a ação civil pública quando envolve uma multiplicidade de direitos individuais. Um dos requisitos do atual processo norte-americano é justamente que a parte represente justa e adequadamente os demais envolvidos na repercussão da decisão (artigo 23 das Federal Rules of Civil Procedure de 1966). Essa lição do direito comparado, nos termos do artigo 8º. da CLT, aplica-se perfeitamente ao direito pátrio, haja vista a indeterminação e vazio que existe hoje em sede jurisprudencial, dogmática e doutrinária a respeito desse assunto” (RO 13328/01, Relator Juiz Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior, DJMG 19/02/2002).
E ainda:
“ASSISTÊNCIA - INTERVENÇÃO DE TERCEIROS - VIABILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 19 DA LEI Nº 1.533/51 - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DO PEDIDO - IMPOSSIBILIDADE DE INDEFERIMENTO IN LIMINE - PROVIMENTO DO AGRAVO - Configuradas as hipóteses previstas no artigo 50 do Código de Processo Civil, ou seja, existindo interesse jurídico do terceiro em que a sentença seja favorável a uma parte, o pedido de assistência não pode ser indeferido in limine, mas sim observado o procedimento previsto no art. 51 do mesmo diploma legal. Se a parte interessada deixa de impugnar o pedido ou de contraminutar o agravo, apesar de intimada, é de se deferir a assistência pleiteada. Recurso provido” (TJMG - AG 000.217.987-7/00 - 4ª C.Cív. - Rel. Des. Hyparco Immesi - D.J. 14.02.2002).
Portanto, venia concessa do posicionamento em primeiro grau adotado, é não só possível, como totalmente pertinente, admitir a assistência litisconsorcial no pólo passivo da presente ação civil pública.
Provimento merece o apelo, portanto, para deferir o pedido de assistência litisconsorcial do sindicato.
2.2 - RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
2.2.1 - DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - PRESSÃO E COAÇÃO EXERCIDAS SOBRE OS TRABALHADORES - ALTERAÇÃO DA JORNADA EM TURNOS DE REVEZAMENTO ININTERRUPTO
Como cediço, a Lei 7.347, de 24.07.85 (Lei da Ação Civil Pública), constitui o primeiro instrumento de proteção dos interesses de toda a coletividade, visando à responsabilização por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A Constituição de 1988 ampliou as hipóteses de cabimento dessa modalidade de ação, estabelecendo, entre as funções institucionais do Ministério Público, a promoção do inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Como espécie do gênero ações coletivas, tem por finalidade a tutela dos direitos e interesses metaindividuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos em face de ameaças ou lesões, definindo, o artigo 81, parágrafo único, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), os direitos e interesses metaindividuais.
Pode-se dizer, ao enfoque da norma em comento, que os interesses e direitos difusos diferem dos interesses e direitos coletivos porquanto os titulares daqueles são indetermináveis de forma absoluta, ou seja, não atingiram um grau de agregação e organização necessárias à sua afetação institucional, estando dispersos pela sociedade civil como um todo; enquanto os titulares destes, dos direitos coletivos, são indeterminados, mas determináveis, podendo tratar-se de um grupo, de uma categoria, ou de segmento caracterizado de indivíduos. Ademais, nos direitos difusos a forma de ligação de seus titulares com a parte contrária decorre de uma simples questão fática, enquanto nos direitos coletivos a forma de ligação entre os titulares ou entre estes e a parte contrária decorre de uma relação jurídica de base.
Aliás, quando veio a lume o Código de Defesa do Consumidor, alargou-se o objeto da ação civil pública para a proteção de qualquer outro interesse difuso ou coletivo. De acordo com o parágrafo único do artigo 81 dessa norma legal, a defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos; II - interesses ou direitos coletivos; III - interesses ou direitos individuais homogêneos.
Todos esses instrumentos legais revelam o objeto da ação civil pública, relacionado à defesa de interesses e direitos coletivos, estando neles compreendidos os interesses públicos, difusos, coletivos, individuais indisponíveis e homogêneos, sendo que a ação civil pública, no processo trabalhista, tem recebido ampla acolhida de nossos tribunais e contam com inteiro respaldo na doutrina especializada. Nesse sentido, preleciona o eminente professor e magistrado Sérgio Pinto Martins (in Direito Processual do Trabalho; 17ª ed.; editora Atlas; p. 505):
“A ação civil pública terá por objeto a defesa de interesses difusos e coletivos (art. 129, III, da Lei fundamental) quando forem desrespeitados direitos trabalhistas previstos constitucionalmente. Direitos difusos são os transindividuais, indivisíveis. Titulares são pessoas indeterminadas. Ex: o direito de todos a um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Interesses individuais homogêneos têm uniformidade de aplicação. Os titulares dos direitos são identificáveis. Interesses coletivos são o de uma categoria.”
O professor Wagner D. Giglio foi ainda mais longe, discorrendo sobre as vantagens da aplicação da ação civil pública no processo do trabalho, exemplificando hipóteses em que a mesma seria cabível:
“Na verdade a ação civil pública deverá, dentro de algum tempo, sedimentadas as dúvidas ainda existentes e estruturado o procedimento, constituir o melhor e mais eficaz instrumento para a solução das macrolesões. Aplicada com criatividade, em conjunto com outros meios processuais de coletivização das ações (substituição processual, criação do Fundo das Execuções, etc.) poderá vir a ser um poderoso meio para a solução da crise da Justiça do Trabalho. Questões como a utilização indevida e abusiva do trabalho de menores, das horas extras, de insalubridade do ambiente de trabalho, de falta de recolhimento do FGTS, de contratação sem concurso público, de terceirização de serviços, de descumprimento reiterado e preordenado das obrigações trabalhistas etc. poderão ser resolvidas por meio de ações civis públicas bem fundamentadas e documentadas” (Direito Processual do Trabalho”; 12ª ed.; editora Saraiva; p. 285).
Infere-se, portanto, que a ação civil pública tem como objetivo fundamental a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos, presentes e futuros, quer impedindo ao infrator que prossiga na conduta lesiva aos bens jurídicos protegidos, quer promovendo a devida reparação em cumprimento do ordenamento jurídico transgredido. Insere-se, ainda, no objeto da ACP o pagamento em dinheiro, consistente numa indenização destinada à reparação do dano (art. 3º, Lei 7.347/85 - LACP).
E considerando, ainda, que a ação civil pública, quanto à eficácia, tem natureza condenatória, trará sempre para o réu uma conseqüência jurídica a ser observada, concreta e imediatamente, consistente na condenação em obrigações de fazer e/ou de não fazer, ou também, conforme o caso, na reparação pecuniária do patrimônio jurídico lesado.
Na espécie, foi a lide proposta pelo douto parquet em face da empresa Votorantim Metais Zinco S.A., postulando o Ministério Público do Trabalho sua condenação em obrigação de não fazer, abstendo-se “de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimidação sobre os seus empregados, com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e a livre manifestação de vontade dos trabalhadores”, bem como “de interferir, sob qualquer pretexto, nas atividades do Sindicato profissional”, como formulado nos itens 1 e 2 do rol de fl. 23, o que estaria a ré praticando com o único objetivo de manter a jornada elastecida de oito horas diárias para os turnos de revezamento ininterrupto, considerando o fato de que os trabalhadores, quando manifestam espontaneamente sua livre vontade, longe da pressão exercida pela empregadora (ainda que através de seus prepostos), deixam assente a preferência pela adoção da jornada reduzida de seis horas.
Segundo esclarecido na atrial e renovado nas razões recursais, até dezembro de 2004 vigorou na empresa requerida o sistema de labor em turnos ininterruptos de revezamento de 8 horas, respaldado por acordos coletivos de trabalho de vigência de dois anos, cada, sucessivamente renovados, dando continuidade à prática iniciada há mais de seis anos, sempre com a chancela do Sindicato por retratar a vontade maciça dos trabalhadores da ré, nas ocasiões.
No entanto, conforme alegado, há algum tempo os trabalhadores anseiam pelo retorno do sistema anterior de turnos ininterruptos na reduzida jornada de 6 horas, relatando acerca do considerável número de empregados afastados por problemas de saúde ocasionados pelo horário elastecido, situação que vem sendo investigada pelo Ministério Público desde meados de 2005, quando intimado para ciência de duas ações ajuizadas por empregados da Votorantim em face do Sindicado da categoria, através das quais buscavam os obreiros compelir o representante sindical à realização de assembléia para deliberar quanto à proposta da empresa, de manutenção dos turnos de oito horas (inicial, fls. ¾).
Entrementes, as demandas já estavam sendo ajuizadas mediante manifestação viciada de vontade, conforme decisões exaradas em primeiro e segundo graus de jurisdição, pelas mãos da empregadora, assim como maculada por vício de consentimento a participação dos trabalhadores nas assembléias perante o Sindicato.
E finaliza o ora recorrente, aduzindo que desde então, não obstante a insistente negativa da requerida, os elementos colhidos no curso daquelas ações judiciais e no procedimento investigatório realizado demonstram a realidade, que os trabalhadores sofreram e sofrem coação para aceitação, pelo Sindicato, das propostas empresárias quanto ao turno elastecido.
Tudo definido, com a inicial foi inicialmente acostado o procedimento investigatório relatado pelo douto parquet, desde as considerações preliminares até a manifestação do Sindicato da categoria, intimações, alegações, documentos relacionados com as ações movidas por determinados trabalhadores, como Mário Lúcio de Oliveira e outros (processos 00159-2005-056-03-00-5 e 00229-2005-056-03-00-5, folhas 469/480 e 482/490, 3º. volume, em uma das quais, a propósito, atuei como Revisor), decididas por essa E. 4ª. Turma, Relator Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, além de documentos alardeando o comprometimento da empresa com questões de segurança e preocupação social, ação movida pelo Sindicato em face da requerida para compeli-la à observância da jornada reduzida de seis horas nos turnos de revezamento, manifestações do Ministério Público, sentenças proferidas, Acordos Coletivos e audiências realizadas durante o procedimento investigatório, com alegações e mais alegações, petições de um lado, petições de outro (muitas subscritas por ilustres causídicos, v.g. fl. 615, Humberto Theodoro Neto), ações cautelares, contendas entre o Sindicato e a Votorantim e, finalmente, a conclusão do procedimento investigatório realizado pelo MPT (fls. 673/674), além dos depoimentos testemunhais colhidos nos autos dos processos supra referidos, tudo ocupando integralmente o primeiro, segundo, terceiro e quarto volumes da presente ação (fls. 25/799), além de parte do quinto volume (fls. 801/863).
Já em contestação (folhas 913/973, quinto volume), negadas as assertivas de ingresso, vieram, primordialmente, os documentos concernentes ao abaixo assinado dos trabalhadores, objetivando a realização de assembléia pelo Sindicato, na busca de definição da questão da jornada em turnos de revezamento (documentos de fls. 1043/1061), tese que alicerça a defesa, fundamentalmente, além do Acordo Coletivo firmado por força de ordem judicial (fl. 989) e cópias extraídas dos autos do processo n. 01050-2005-056-03-00-5 (fls. 1002/1018), sexto volume, onde postulava o Sindicato a invalidação da jornada de oito horas para os turnos de revezamento, demanda essa, a propósito, que ensejou a oposição de exceção de suspeição, pelo órgão sindical, em face da Juíza sentenciante na presente ação civil pública (v.g. fl. 1123).
De relevância especial ao deslinde da controvérsia, diante do acervo probatório documental coligido e esmiuçado, de plano observo a cópia da Ata de Assembléia Geral Extraordinária realizada em novembro de 2004 (fls. 204/205), na qual foram apurados 117 (cento e dezessete) votos a favor e 85 (oitenta e cinco) contra, 01 nulo e 35 (trinta e cinco) em branco, da luta pela retomada do turno reduzido de seis horas, com cinco turmas; outrossim, ao questionamento acerca das doenças que vêm acometendo os trabalhadores, se relacionadas ou não com o atual sistema de turnos (apurado cerca de 20% do efetivo da empresa afastado ou sofrendo de doença ocupacional ou acidente de trabalho), 139 (cento e trinta e nove) trabalhadores responderam afirmativamente, contra 60 (sessenta) em contrário.
Na mesma oportunidade consignou-se em Ata que “trabalhadores de vários setores denunciaram e manifestaram seu repúdio contra as atitudes da patronal, que vem ameaçando implantar turno fixo de 12 horas, demissão de uma letra, distorcendo informações causando dúvidas e principalmente, através da pressão dos chefes, enfim, os métodos de terror que levaram à assinatura e renovação do referido acordo ao longo dos últimos anos. Várias manifestações foram no sentido de paralisar as atividades da empresa, caso a reivindicação não seja atendida”.
A informação, aliás, relativa à pressão para implantação de um turno fixo vem corroborada nos documentos de folhas 208 e 696, em comunicados emitidos pela própria empresa, caso não avançassem as negociações sindicais para o biênio 2004/2006; a contrapartida para aceitação da proposta empresária, aliás, era eminentemente econômica (a voz poderosa do poder econômico), com o pagamento de abono de R$3.000,00, adicional de turno mensal equivalente a 6% e manutenção da carga horária de vinte horas semanais para o caso de manutenção da jornada de oito horas diárias; naqueles comunicados, aduzia a requerida que não obstante a oferta da empresa, o Sindicato se recusava à levar ao conhecimento dos trabalhadores a sugestão para acordo (documento de folha 695), o que a levaria a (em tom de lamento e falta de alternativa), designação unilateral de turnos fixos de labor consoante necessidade do empreendimento.
De extrema importância, ainda, os v. Acórdãos proferidos nos autos dos processos 00159-2005-056-03-00-5 e 00229-2005-056-03-00-5, folhas 469/480 e 482/490 (3º. Volume), os quais, como Revisor, tive oportunidade de detalhadamente, na ocasião, examinar, relativos aos processos (principal e ação cautelar incidental), movidos por Mário Lúcio de Oliveira e outros em face do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Três Marias (pendente hoje no Colendo TST para julgamento do Agravo de Instrumento oposto em face de Recurso de Revista que teve o seguimento denegado - processo: AIRR - 229/2005-056-03-40.0, distribuído há mais de um ano, em 21.06.2007, para a Relatora, Ministra Maria de Assis Calsing, aguardando julgamento). Imperiosa a transcrição, fundamental ao deslinde da querela ora sub judice, da decisão exarada no processo principal (DJMG 13/05/2006), in verbis:
“Batem-se os Reclamantes pela condenação do Reclamado em danos materiais e morais, sustentando, em síntese o seguinte: a injustificada recusa do Sindicato em convocar a assembléia extraordinária, na qual seria discutida a preferência dos trabalhadores por uma ou outra jornada de trabalho; a inexistência de nexo de causalidade entre o labor em turno de revezamento de 8 horas e o adoecimento dos trabalhadores; as vantagens que o turno de revezamento de 8 horas proporciona aos trabalhadores, em detrimento do turno de revezamento de 6 horas e do turno fixo; a inexistência de coação da empresa para a adoção do turno de revezamento de 8 horas.
Conquanto louváveis os esforços dos ilustres procuradores dos Reclamantes, entendo que a r. sentença recorrida não merece reparo, uma vez que decidiu com brilho e acerto.
Para que se passe ao exame do recurso, mister que se proceda a um breve relato dos autos.
Os Autores, na peça exordial, alegam que até 04 de dezembro de 2004 vigorou na empresa o sistema de labor em turnos ininterruptos de revezamento de 8 horas, respaldado por acordo coletivo de trabalho de vigência de dois anos, a partir de 04 de dezembro de 2002, dando continuidade à prática iniciada há mais de seis anos, sempre com a chancela do Sindicato, por retratar a vontade maciça dos trabalhadores da Ré. No entanto, continuam eles, o Sindicato se recusou a realizar assembléia geral para colocar o assunto em pauta, visando à pactuação do novo acordo coletivo de trabalho, o que contrariou normas de seu próprio estatuto e causou prejuízos de ordens materiais e morais nos empregados. Por isto, alguns associados protocolizaram requerimento perante o Réu, em 25 de novembro de 2004, a fim de realizar a aludida assembléia, o que não foi feito, tendo havido Assembléia Geral em 03 de dezembro de 2004, mas sem a discussão da matéria exigida pelos empregados, pelo que resolveram os Autores procurar a Subdelegacia Regional do Trabalho de Curvelo e, após, ajuizar ação cautelar, na Justiça Comum, perante a Comarca de Três Marias, em 10 de dezembro de 2004.
Houve o deferimento de liminar em 13.12.04.
Em 28 de dezembro de 2004, os Autores denunciaram ao MM. Juiz o desrespeito do Réu em cumprir as determinações judiciais, o qual intimou o Sindicato para realizar o acordo coletivo de trabalho, que manteve a jornada de turnos ininterruptos de revezamento de 8 horas, sob pena de multa diária.
Destarte, realizado o acordo coletivo apenas no final do ano de 2004, os Autores sustentam ter sofrido graves prejuízos pessoais, familiares, educacionais e financeiros, porque, diante da relutância sindical, a empresa suspendeu a adoção do turno ininterrupto de revezamento, até a celebração do referido acordo, passando a laborar em turnos fixos em detrimento dos compromissos sociais e escolares anteriormente assumidos pelos empregados e com perda das vantagens econômicas daquele sistema, tais como abonos.
Assim, pretendem seja declarada judicialmente a validade do acordo coletivo de trabalho firmado em decorrência de ordem judicial, determinando ao Sindicato que respeite e faça cumprir os termos de seu estatuto social, e sejam ressarcidos dos danos materiais e morais causados.
Antes de colhida a defesa, o MM. Juiz de Direito da Comarca de Três Marias declinou da competência, nos termos da nova redação do art. 114 da CF/88, em seu inciso III, enviando os autos para esta Especializada (fl. 495).
O Réu se defendeu, asseverando, em apertada síntese, que vem cumprindo os anseios dos trabalhadores, e que, em assembléia realizada em 31 de outubro de 2004, optaram pelo retorno do sistema anterior de turnos ininterruptos de 6 horas. Relatou, outrossim, o excesso de trabalhadores afastados por problemas de saúde ocasionados pelo labor em turnos ininterruptos de 8 horas, existindo, inclusive, procedimento investigatório do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho.
Por outro lado, denunciou a atitude da empresa, que, do mesmo modo que em anos anteriores, assim que tomou conhecimento da vontade externada na reunião acima, passou a coagir os trabalhadores com a obrigação de labor em turnos fixos de 8 horas e ameaçando-os de dispensa, caso não pressionassem o Sindicato a voltar atrás, com a renovação do acordo coletivo.
Finalmente, alega que nunca descumpriu normas do estatuto ou dispositivos legais, pois estava esperando as reuniões no Ministério do Trabalho e Emprego e no Ministério Público do Trabalho, com as fiscalizações na empresa, ressaltando que não há prazo para a convocação ou realização de assembléia geral, pelo que não é responsável pelos prejuízos sofridos pelos empregados.
O d. Juízo originário determinou a intimação do Ministério Público do Trabalho, à fl. 991, que se manifestou pelo interesse público na lide, cf. fls. 999/1001.
A liminar concedida em primeiro grau, na Justiça Comum, foi derrubada por decisão recursal proferida no extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, consoante fls. 994/97.
Foi realizada a audiência de instrução de fls. 1159/78, culminando com a apresentação das razões finais, pelas partes, de fls. 1181/206.
A r. sentença recorrida consta de fls. 1232/49. A ‘vexata quaestio’ da presente ação gravita em torno da legitimidade da recusa do Sindicato em convocar a assembléia geral, para o fito de prorrogação do acordo coletivo de trabalho sobre o labor em turnos ininterruptos de revezamento de 8 horas.
Certo é que não era facultado ao Sindicato o descumprimento da ordem judicial emanada da ação cautelar, cujas decisões se encontram às fls. 399/400, 450 e 452.
Todavia, quer me parecer que questão anterior à recusa sindical deve ser analisada.
É de se examinar, ‘in casu’, o alcance da liberdade individual e coletiva no âmbito dos direitos defendidos pelo sindicato, procedendo-se à apuração da validade do elemento volitivo externado pelos Autores deste processo. Não se pode perder de vista que o Sindicato é um ente coletivo que representa a sua classe de trabalhadores. Assim, ele é o defensor das idéias e dos direitos de uma vontade coletiva que, em princípio, presume-se livre. E é na autonomia da vontade que reside o cerne do r. ‘decisum’, que merece ser confirmado.
No caso dos autos, a liberdade dos Reclamantes, empregados da Companhia Mineira de Metais, não se encontra escorreita, regular, padecendo de vício de consentimento, qual seja, a coação moral.
Ensina o ilustre civilista Caio Mário da Silva Pereira, ‘in’ Instituições de Direito Civil, que existem duas maneiras de se obrigar o indivíduo a praticar o ato jurídico: pela violência física, que resulta na ausência total de consentimento, que se chama ‘vis absoluta’; ou pela violência moral, chamada ‘vis compulsiva’, que atua sobre o ânimo da pessoa, levando-a a uma declaração de vontade viciada.
Na segunda espécie, a violência moral, cujo estudo nos interessa, expõe o i. Jurista que: ‘embora haja uma declaração de vontade ela é imperfeita pois não aniquila o consentimento do agente, apenas rouba- lhe a liberdade...’omissis’ ‘...na sua análise psíquica, verifica-se a existência de duas vontades: a vontade íntima do paciente, que ele emitiria se conservasse a liberdade, e a vontade exteriorizada, que não é a sua própria, porém a do coator, a ele imposta pelo mecanismo da intimidação’ (19ª edição, vol. I, pág. 334/335).
Sílvio Rodrigues, em DIREITO CIVIL, Parte Geral, Vol. I, Ed. Saraiva, bem lembra que: ‘O Código Civil de 1916, em seu art. 98, determinava que a coação, para viciar o consentimento, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido. Desse modo, enumera os pressupostos que a doutrina reconhece como necessários para caracterizar a coação.’
O Código de 2002 alterou a redação da regra, suprimindo a exigência de que o dano ameaçado fosse pelo menos de valor igual ao ato extorquido.
De fato, para que a coação se configure e invalide o ato jurídico, é mister:
a) que a ameaça seja causa do ato;
b) que ela seja grave;
c) que ela seja injusta;
d) que ela seja atual ou iminente;
e) que traga justo receio de um grave prejuízo;
f) que o prejuízo recaia sobre a pessoa ou os bens do paciente, ou pessoa de sua família. (fl. 201)
Ora, a prova oral de fls. 1159/77 não deixa dúvidas de que a empresa abusou de seu poder diretivo e de sua força econômica, para impor aos empregados a manutenção do labor em turnos ininterruptos de revezamento de 8 horas.
Não são poucos os elementos que traduzem a transparência da coação moral, ou a ‘vis compulsiva’, diversamente do que sustentam os Reclamantes, em seu apelo. O primeiro deles, é a fixação de labor em turnos fixos, no hiato ocorrido até a celebração do acordo coletivo de trabalho, determinada judicialmente, com os impactos negativos na vida dos empregados, seja social, seja economicamente (perda do abono de 6% e outras vantagens).
Trata-se de prévia retaliação com o fim de pressionar os empregados, através de seus supervisores, a se insurgirem contra o posicionamento do Sindicato, tanto que os Autores denunciaram a ingerência da empresa.
O Autor Oswaldo Barbosa confirmou que a CMM convocou uma reunião, na qual o supervisor de turno disse para os trabalhadores que se não fosse aprovado o turno ininterrupto de revezamento, a empresa fixaria os turnos, com jornada diária de 8 horas (fl. 1160). No mesmo sentido, o depoimento de Maurício Maia, um dos responsáveis pelo movimento, que gerou o abaixo-assinado, para a realização de assembléia geral e ajuizamento de ações judiciais.
Aliás, este mesmo depoimento, de fls. 1165/66, é de suma importância, ao relatar o fornecimento, pela empresa, de condução até o clube da CMM, para o transporte dos empregados, inclusive após o término da reunião (fl. 1166).
Este é o segundo ponto que denota o interesse da CMM em macular a liberdade individual de seus empregados, viabilizando a movimentação destes a fim de realizar reuniões e o deslocamento até o sindicato para participarem da assembléia geral.
Por outro lado, ressai cristalina a coação da empresa no estresse psicológico causado pelo labor em turnos fixos.
Conquanto se insurjam os ilustres procuradores dos Reclamantes com a conclusão adotada em primeiro grau, é evidente que a pressão exercida sobre os trabalhadores em muito contribuiu para viciar a vontade dos mesmos, tanto é que, na assembléia determinada por ordem judicial, os empregados chegaram até a aceitar proposta menos vantajosa economicamente, qual seja, a de abono de R$2.500,00, abandonando a possibilidade de negociar aquela em que se envolvia a vantagem de R$4.000,00, com o mesmo sistema de labor em turnos ininterruptos de revezamento de 8 horas, ‘sendo que os trabalhadores já se encontravam muito ‘estressados’ com o turno fixo’, como se extrai do depoimento de Osvaldo Carvalho, à fl. 1161.
Ora, diante do quadro fático delineado, afigura-se clara a conduta ilegal da empresa, maculando a vontade de seus empregados, ora representados pelos Reclamantes, em evidente coação moral que impediu o exercício regular da liberdade individual, pilar sobre o qual se escora a vontade maior do Sindicato, em ofensa ao art. 2º da Convenção n. 98 da OIT, ratificada no Brasil.
Eis o seu texto:
“Art. 2 - 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos de ingerência de umas e outras, quer diretamente quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionamento e administração. 2 - Serão particularmente identificados os atos de ingerência, nos termos do presente artigo, medidas destinadas a provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por empregador ou uma organização de empregadores, ou a manter organizações de trabalhadores de trabalhadores por outros meios financeiros, com o fim de colocar essas organizações sobre o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores”.
A Convenção n. 98 da OIT, supracitada, que vigora no Brasil desde a década de 50, após a aprovação pelo Decreto Legislativo n. 49/1952 e promulgada pelo Decreto n. 33.196/1953, estabelece normas para a garantia da liberdade sindical.
Nos dizeres de Maurício Godinho Delgado, ‘in’ DIREITO COLETIVO DO TRABALHO, 2ª Ed., Ed. LTr, ‘O princípio da liberdade associativa e sindical determina, portanto, coerentemente, o implemento de regras jurídicas assecuratórias da plena existência e potencialidade do ser coletivo obreiro. Registre-se, a propósito, que não há qualquer antinomia entre a fixação de plena liberdade e autonomia ao sindicalismo com o implemento de garantias legais assecuratórias da mais larga e transparente representatividade sindical e o mais eficaz dinamismo reivindicativo das entidades sindicais obreiras.
Ao contrário, o implemento dessas garantias normativas corresponde à exata observância do comando jurídico instigador contido no princípio especial do Direito Coletivo do Trabalho’ (fls. 48/9).
Neste viés, a ingerência da empresa na liberdade volitiva de seus empregados importou enfraquecimento do princípio das garantias à livre e aberta atuação sindical, por interferir na liberdade do sindicato de expressar a real vontade da maioria dos trabalhadores, em favor de ratificação de atos que não correspondem aos anseios da categoria.
Perde força, outrossim, o princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva, intimamente vinculado ao da necessidade de equivalência dos contratantes coletivos. É consabido que um dos objetivos do Direito Coletivo do Trabalho é a tentativa de equilibrar a força de uma das partes da relação de emprego, tornando menos fraco o lado obreiro, representado por um ente coletivo da classe.
Logo, se a empresa atua diretamente no espaço reservado ao sindicato, através da manipulação de valores e idéias de seus empregados, pela via de seus supervisores, a conseqüência é o restabelecimento da desigualdade da balança da relação de emprego, enfraquecendo o poder do sindicato.
Note-se que o vício de consentimento tem maior força quando se trata de acordo coletivo de trabalho, em que, de um lado, está o Sindicato e, de outro, a empresa. A negociação coletiva, nesse caso, não pode dispensar a livre e escorreita vontade dos empregados, integrantes da categoria, em contraponto ao poderio econômico da outra parte.
Mais robustece o entendimento de coação moral o fato de alguns dos Reclamantes sequer terem conhecimento do ajuizamento das ações judiciais e, tampouco, de seu conteúdo, conforme se apreende, por exemplo, do depoimento do Sr. Antônio Carlos Fonseca, de fls. 1169/70.
Outro fator, no mínimo curioso, bem lançado pelo d. Procurador do Trabalho, em seu parecer (fl. 1221), é que não se constatou, sequer, o pagamento de honorários advocatícios, despesas processuais e deslocamentos de viagens por parte dos Reclamantes, fazendo crer que, de fato, a empresa estaria arcando com os custos, por ser diretamente interessada no resultado da demanda.
A meu ver, de fato, a vontade livre e desprovida de qualquer mácula, é aquela externada pelos trabalhadores na votação realizada em 31 de outubro de 2004, ainda que não tenha se revestido das formalidades de assembléia geral, em que a maioria se inclinou pelo retorno do turno ininterrupto de 6 horas, mesmo diante da possibilidade de perda salarial e alteração da rotina social. Não se pode olvidar que, mesmo diante da ausência de provas de que o excessivo número de empregados afastados na empresa tenha relação direta com o labor em turnos ininterruptos de revezamento de 8 horas, há procedimento investigatório em tramitação no Ministério Público do Trabalho e no Ministério do Trabalho e Emprego, como bem sustenta o d. Procurador do Trabalho.
Houve evidente receio dos trabalhadores diante da pressão moral, a ‘vis compulsiva’, traduzida pela possibilidade de desemprego, sempre associada à perda de um ‘status’ econômico e social e, quiçá, de uma retaliação por parte de seus superiores, como menciona o Sr. Antônio Carlos Fonseca: ‘como o depoente é ‘desconfiado de todo mundo’, deduz que se não optasse pelo turno de revezamento de 8:00 horas, seu nome seria repassado para o supervisor pelo Sr. Maurício, eis que este é ‘ muito íntimo’ do supervisor’ (fl. 1170).
Logo, os pedidos devem mesmo ser julgados improcedentes.”
Aliás, os depoimentos a que se refere o ilustre Relator, no julgamento supra transcrito, estão presentes nestes autos e tratam-se daqueles pessoais, prestados pelos próprios requerentes na ação cautelar 00159-2005-056-03-00-5, de onde se infere:
“(...) participou de uma única assembléia em que se discutiu a questão relativa ao turno ininterrupto, não se recordando da data de sua realização; dita assembléia foi realizada antes da assinatura pelo depoente do requerimento para que o sindicato convocasse assembléia para discussão da questão (...); realizada a assembléia, por determinação judicial, foram submetidas à apreciação dos trabalhadores duas propostas, uma apresentada pelo sindicato e outra pela empresa, deliberando os trabalhadores pela aprovação da proposta apresentada pela empresa; além do estabelecimento do turno ininterrupto de revezamento, a empresa inicialmente ofereceu o valor de R$1.800,00 para cada trabalhador, posteriormente elevado para R$2.500,00; o depoente encontra-se afastado do trabalho desde fevereiro/05 em virtude de tendinite nos dois punhos; (...) entre uma assembléia e outra a empresa CMM convocou uma reunião, na qual o supervisor de turno disse para os trabalhadores que se não fosse aprovado o turno ininterrupto de revezamento, a empresa fixaria os turnos, com jornada diária de 8:00 horas; em momento algum representantes da empresa manifestaram no sentido de dispensa de trabalhadores (...); o depoente assinou dois abaixo-assinados, ambos apresentados pelo sr. Maurício Maia; o depoente não estuda; seria praticamente impossível o trabalhador permanecer estudando no caso de fixação de turno; a reunião realizada com o supervisor da empresa foi no setor de trabalho do depoente, qual seja, setor de purificação, sendo que outras reuniões, para a mesma finalidade, foram realizadas em todos os setores; (...) sabe que através das ações ajuizadas perante este Juízo, discute-se a questão relativa ao turno ininterrupto de revezamento, não sabendo informar acerca do teor dos pedidos formulados; até então o depoente não arcou com qualquer custo (...); o depoente prefere laborar em turno ininterrupto de revezamento de 6:00 horas diárias, com apenas uma folga semanal, a laborar em regime de turno de 8:00 horas diárias, adotado através do acordo coletivo aprovado na assembléia realizada (...); para a jornada de 6:00 horas diárias não havia proposta financeira; foram apresentadas duas, uma de R$2.500,00 e outra de R$4.000,00, ambas relacionadas à mesma jornada de 8:00 horas; (...) os trabalhadores já se encontravam muito estressados com o turno fixo, que já havia sido implantado há pouco mais de um mês antes da realização da assembléia (...); em virtude da fixação de turno, os trabalhadores deixaram de receber o adicional de 6%, além de 20:00 horas mensais (...); o ônibus da empresa conduziu os trabalhadores do estabelecimento até o sindicato (...); na primeira assembléia não (...); no momento em que se reuniram com a advogada nada foi conversado a respeito do valor dos honorários advocatícios, o que também não ocorreu em qualquer momento posterior; os trabalhadores assinaram apenas uma lista em branco, na qual nada constava (...); jamais assinou procuração para os advogados que representam os autores (...); reconhece a autoria de sua assinatura no documento de f. 103, que lhe foi apresentado pelo sr. Maurício Maia (...); conheceu de vista o advogado aqui presente quando o mesmo participou da última assembléia (...)” - depoimento do autor Osvaldo Carvalho Barbosa, fls. 807/811.
No mesmo sentido o depoimento de Mário Lúcio de Oliveira, embora tenha negado a ocorrência das reuniões nos setores de trabalho, a respeito da assembléia que seria convocada (fls. 810/811).
Contundente, aliás, deixando bastante evidente o total desconhecimento do porquê da ação que, no entanto, como requerente o trabalhador movia, o depoimento pessoal de Antônio Carlos Fonseca de Oliveira, folhas 817/818:
“(...) se fosse para o depoente exercer a opção nesta data, preferiria trabalhar no turno de revezamento de 6:00 horas diárias, sem compensação financeira, a trabalhar no turno de revezamento de 8:00 horas diárias (...); até a presente data o depoente não tinha conhecimento das ações ajuizadas, sendo que à época em que foi procurado pelo sr. Maurício, este nada esclareceu; (...) deduz que se não optasse pelo turno de revezamento de 8:00 horas, seu nome seria repassado para o supervisor pelo sr. Maurício, eis que este é muito íntimo do supervisor; quando foi procurado pelo sr. Maurício assinou duas procurações para representá-lo na questão relativa aos turnos ininterruptos de revezamento, inclusive para ajuizamento das ações (...)”.
Nada mais precisa ser dito. O conjunto probatório, como se vê, foi com perfeição apreciado no julgamento do v. Acórdão transcrito, originário desta E. 4ª. Turma, como esclarecido.
Todo cerne do que é, portanto, controvertido, reside na conclusão, que sem dúvida se extrai, quanto à prova, que tenho por suficiente, para demonstrar a coação velada da Votorantim, capaz de macular a livre manifestação de vontade dos trabalhadores perante o ente sindical, constrangidos a praticar um ato jurídico, qual seja, in casu, a suposta concordância com o retorno dos turnos ininterruptos de revezamento de oito horas que, não obstante externada, não representava sua lídima e livre aquiescência.
Aliás, já dispunha o art. 98 do Código Civil de 1916: “A coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano a sua pessoa, a sua família, ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido”. No antigo diploma legal, a propósito, enumeravam-se como requisitos a essencialidade da coação: a intenção de coagir; a gravidade do mal cominado; a injustiça ou ilicitude da cominação; o dano atual ou iminente; o justo receio de prejuízo, igual, pelo menos, ao decorrente do dano extorquido; que o prejuízo recaísse sobre pessoa ou bens do paciente, ou pessoas de sua família.
O atual Código, atendendo a críticas doutrinárias e jurisprudenciais, estatuiu, no artigo 151: “A coação, para viciar a declaração de vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou a seus bens.” Por seu turno, o artigo 153, do mesmo diploma legal, estabelece textualmente que: “Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”. E, na seqüência, os artigos 154 e 155 que respectivamente disciplinam:
“Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos. “
“Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto”.
É assim que a manifestação há de ser livre, sem encontrar-se maculada por qualquer vício de consentimento, não se podendo olvidar, ainda, que o art. 171, II, do CCB, dispõe ser anulável “... por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude contra credores”.
A respeito do tema, com a propriedade que lhe é sempre peculiar, ensina SÍLVIO VENOSA (Direito Civil Volume I - Parte Geral, ed. Atlas):
“Ao traçarmos os princípios do erro e do dolo, percebemos que ambos guardam relação próxima, pois no dolo, ao menos externamente, há erro não espontâneo, mas provocado. Já na coação, a vontade deixa de ser espontânea como resultado de violência contra ela. A figura da coação não é reduzível a qualquer outro vício, guardando visível autonomia (...). Entre os vícios que podem afetar o negócio jurídico, a coação é o que mais repugna à consciência humana (...)”.
E prossegue o ilustre autor:
“O art. 153 do Código diz que ‘não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial’ (antigo, art. 100). Reverencial é o temor de ocasionar desprazer a pessoas ligadas por vínculo afetivo, ou por relação de hierarquia. (...) É significativo o fato de nosso legislador ter colocado o termo simples na dicção legal. Nem sempre haverá temor reverencial na situação enfocada, pois existe zona cinzenta, em que dúvidas ocorrem sobre se houve ou não coação. É fato, porém, que, extravasando os limites do ‘simples’ temor reverencial, existirá a coação (...). No caso do temor reverencial, o agente se curva a praticar, ou deixar de praticar, ação por medo de desgostar a outrem, a quem deve obediência e respeito. Não havendo gravidade na ameaça, a lei desconsidera a existência de coação. Quem consente apenas para não desgostar o pai ou a mãe equipara-se ao que soçobra a ameaça inócua ou irrisória, não devendo o ato ser passível de anulação. O vocábulo simples, sabiamente colocado em nossa lei, está a demonstrar que é do exame de cada caso concreto que advirá a solução. Cabe ao juiz determinar onde termina o ‘simples’ temor de desagradar e onde começa a coação. Se ao temor reverencial ajunta-se a ameaça idônea para viciar o ato, ele é anulável”.
Enfocando, de outra parte, a coação oriunda de ato praticado por terceiro:
“A solução reclamada pela doutrina foi adotada pelo vigente Código, no art. 154, segundo o qual, na coação exercida por terceiros vicia o ato, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a quem aproveita, respondendo ambos, coator e parte no negócio, solidariamente pela indenização. De acordo com o art. 155 dessa nova lei, o negócio subsistirá, no caso de coação de parte de terceiro, com o desconhecimento real ou implícito por parte do agente no negócio: ‘Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a quem aproveite, mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos do coacto.’ (...) A nova solução legislativa quanto à coação praticada por terceiro, semelhante àquela já encontrada para o caso de dolo de terceiro, muda de aspecto. Pelo atual Código, se as circunstâncias da declaração de vontade do agente revestiam-se de veementes indícios de coação, que o beneficiado não podia ignorar, é anulável o negócio. Por outro lado, se a coação estava camuflada sem existir motivos para que o beneficiado a conhecesse, o negócio subsiste em homenagem à boa-fé. Aliás, a boa-fé objetiva é um dos pontos cardeais do atual Código (arts. 422 e 187) “.
E ainda, em mais um ponto de indisfarçável interesse ao deslinde da querela jurídica:
“É preciso que a coação seja determinante ou essencial, ou melhor ainda, que seja a causa do negócio. Pode ocorrer, a exemplo do que sucede com o dolo, que a coação seja incidente (...). Para que se configure, porém, a coação capaz de anular o negócio, deve existir relação de causalidade entre a ameaça e a declaração. Se, por exemplo, alguém foi ameaçado, mas consentiu, emitiu vontade ou praticou o ato ou negócio independentemente da ameaça, não houve coação. No tocante à prova, cumpre ao coacto fazê-la. O critério do exame de prova depende da prudência do julgador diante do caso concreto, pois a coação é de difícil comprovação, porque quem se vale dela geralmente se mune de artifícios para camuflá-la”.
Tratando o vertente caso concreto, portanto, de alegada coação que teria viciado a manifestação de vontade dos trabalhadores, na aceitação do retorno aos turnos ininterruptos de revezamento com jornada elastecida, há anos praticado pela empresa requerida, imperioso era partir, realmente, da análise das provas produzidas a fim de apurar se harmonizadas com a argumentação tecida. Nesse norte, a conclusão é mesmo a de que, com êxito, desvencilhou-se o douto parquet do ônus seu, quanto ao vício na manifestação da vontade, ex vi do art. 818 da CLT c/c art. 333, inciso I, do CPC. E assim, positiva e induvidosamente, restou evidenciada do processado a pressão exercida pela ré na tentativa de alcançar o maior número de adesões possível à sua proposta perante o Sindicato.
Nem se diga, aliás - como tenta a empresa em razões de contrariedade - imprestáveis seriam os depoimentos colhidos nos autos dos processos 00159-2005-056-03-00-5 e 00229-2005-056-03-00-5.
Com efeito, tranqüilo se extrai da Ata de audiência de instrução de folhas 1314/1315, no feito sub judice, a concordância do Ministério Público com o aproveitamento das provas produzidas em outros feitos, adunadas ao presente, expressando-se a ré, tão apenas, no sentido de que “concorda com o encerramento da instrução processual, tendo em vista que a sentença proferida nos autos do processo n. 01050/05, ajuizada pelo Sindicato, declarou expressamente a validade do acordo e a inexistência de qualquer coação por parte da empresa ré”; ou seja, diversamente do que agora tenta fazer crer, na esteira da alegação esposada às fls. 1446/1447, nenhuma ressalva apôs na utilização da prova emprestada, muito pelo contrário, e tenta, agora, reverter a situação em flagrante má-fé. Veja-se que lá constou ainda, expressamente:
“Ambos concordam com o aproveitamento das provas produzidas nos presentes autos, como prova emprestada”.
Por “prova produzida nestes autos”, sem ressalva, leia-se toda prova coligida, obviamente, emprestada também de outras ações, como lá pontualmente descrito, caindo no vazio, ainda, qualquer argumento em torno de inobservância do contraditório e da ampla defesa, até porque, relativamente aos elementos integrantes do presente feito, foi oportunizada à parte recorrida tanto ciência, quanto prazo para correspondente manifestação.
Mesmo, aliás, que assim não se entendesse, considerando principalmente o prévio conhecimento das outras demandas, por este Relator, enquanto Revisor no processo principal do qual emprestada a prova (00229-2005-056-03-00-5), é não só possível, como pertinente, a aplicação das denominadas máximas da experiência comum, noções e conhecimentos ministrados pela vida prática, equivale dizer, juízos formados ante o quod plerumque accidit (o que normalmente acontece). Inexiste óbice legal à consideração, no presente julgamento e na formação do meu convencimento motivado, de depoimentos a respeito dos quais tenho, como já tinha precedentemente, pleno conhecimento, assim como, por óbvio, ciência a demandada, diante da juntada a este processo, na busca da verdade real e da entrega da tutela jurisdicional a mais ampla e justa possível, o que nada tem de ilegal. Mesmo, inclusive, se aludidos depoimentos não constassem do feito. Isso sem mencionar que em momento algum a recorrida alega a inveracidade do deduzido pelas partes ou testemunhas naqueles outros autos.
E mais: o artigo 472 do CPC, invocado pela empresa ré, não guarda relação com a utilização da prova emprestada, alegação através da qual, num suposto apego aos rigores da autoridade da coisa julgada, tenta induzir a erro essa turma julgadora; lamenta-se, num parêntesis, nossa cultura jurídica tão arraigada às origens germânico-romanas e estranha, por vezes até avessa à anglo-americana, porque é no direito germânico que se situam as mais rígidas regras de estabilização das decisões judiciais em razão da coisa julgada, preconizando a absoluta eficácia preclusiva desta, mesmo em casos de evidentes nulidades, máculas, erros de julgamento ou injustiças flagrantemente perpetradas. Como inclusive aduzia a prestigiada Mary Kay Kane, existem circunstâncias nas quais, ainda que presentes os requisitos para aplicação da coisa julgada, aquela preclusão não ocorreria, superada por razões de ordem pública subjacentes à relação jurídica colocada em discussão (ou deduzida em juízo), defendendo aberta e naturalmente a ilustre doutrinadora a mitigação da coisa julgada ao apontar razões sociais relevantes e específicas.
Enfim, elucubrações à parte, é certo que o destinatário da prova é o juiz e, nessa esteira, ressalta-se que o magistrado, respaldado no princípio do livre convencimento motivado (artigo 131 do Código de Processo Civil), não fica adstrito a qualquer das provas singularmente consideradas para elaborar o seu juízo de valor. Equivale dizer, o acervo probatório composto por todas as espécies de provas produzidas nos autos, é que fornece ao juiz subsídios para uma análise adequada dos argumentos sustentados na demanda e, via de regra, meios para o melhor julgamento possível. No mister, pois, a maior responsabilidade do Estado - juiz, há de ser com a verdade, valendo-se para tanto das provas produzidas e obedecendo, claro, ao princípio do livre convencimento motivado.
Consoante lição do ilustre processualista Alexandre Freitas Câmara na obra Lições de Direito Processual Civil (8 ed., Lúmen Juris, p. 399), “(...) o último sistema conhecido, e também o mais adotado, sendo o usado em nosso Direito Processual Civil, é o da persuasão racional (também chamado sistema do livre convencimento, ou ainda do livre convencimento motivado). Nesse sistema, o juiz é livre para formar seu convencimento, desde que esse se baseie nos elementos constantes dos autos. O juiz não pode tomar em consideração, a fim de formar sua convicção acerca das alegações sobre a matéria de fato, nenhum elemento além das provas carreadas para os autos. É a aplicação do brocardo quod non est in acti non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo)”.
Portanto, aquela prova oral produzida alhures, ingressou no presente feito sob a forma documental, cuja força probatória pode e deve ser valorada pelo juiz, principalmente quando submetida ao contraditório, como foi, inexistindo o óbice aventado, ainda que importada a prova de processos envolvendo terceiros (o E. STF já admitiu a prova trazida de processo em que a parte contra quem ela seria utilizada não havia participado, sob o argumento de que bastaria possibilitar o contraditório depois do traslado da prova emprestada - RTJ nº 129, p. 727), justamente porque submetida ao crivo da parte contra quem produzida; sem mencionar que o juiz pode até determinar o empréstimo da prova ex officio, consoante dispõe o art. 130 do CPC, sem que com isso quebre o dever de imparcialidade ou afronte o princípio do contraditório ou da ampla defesa.
Até porque, a imparcialidade se concretiza pelo oferecimento de iguais oportunidades às partes, bem como um juízo o mais isento possível. Inadmissível é, em contrapartida, supor esteja o magistrado limitado ao juízo de admissão e valoração das provas colacionadas pelas partes, na medida em que “o processo civil moderno repudia a idéia do juiz Pilatos, que, em face de uma instrução mal feita, resigna-se a fazer injustiça atribuindo a falha aos litigantes” (Dinamarco, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 223). Como também já ressalvava, com muita propriedade, Eduardo Talamini, “se a reconstituição dos fatos determinada de ofício vem a beneficiar quem tem razão, não há nisso infração ao dever de imparcialidade, mas o adequado cumprimento da função jurisdicional” (Talamini, Eduardo. Prova emprestada no processo civil e penal, Revista de Informação Legislativa, p. 146.).
Diante, assim, de tudo quanto exposto, concluo por evidenciada nos autos, sim, a atitude denunciada pelo parquet e praticada pela empresa, que maculando, reiteradamente, a vontade externada pelos trabalhadores, passou a coagir seus empregados à aceitação dos turnos elastecidos de revezamento ininterrupto, sob pena de implantação (ameaça inclusive concretizada), de turnos fixos de oito horas a seu bel prazer e com o expurgo de anteriores conquistas pela categoria.
É de ser, portanto, reformada a r. sentença, para conferir provimento aos pedidos expressos nos itens 1 e 2 do rol de fl. 23, condenando a reclamada em obrigação de não fazer, consistente em se abster de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimidação sobre os empregados com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e livre manifestação de vontade dos trabalhadores, abstendo-se, ainda, de interferir, sob qualquer forma ou pretexto, nas atividades do sindicato profissional.
Fixo também, como postulado, a pena de multa equivalente a R$100.000,00 (cem mil reais), na hipótese de descumprimento da obrigação imposta (CPC, artigo 461, caput e parágrafo quarto).
Provimento concedido, ao enfoque.
2.2.2 - DANO MORAL COLETIVO - REPARAÇÃO PECUNIÁRIA.
A respeito do tema em debate, segundo o jurista Carlos Alberto Bittar Filho, dano moral coletivo “é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial” (“Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro”).
Em outras palavras, para a configuração do dano moral coletivo, o ilícito e seus efeitos devem ser de tal monta que a repulsa social seja imediata e extrapole aquela relativa ao descumprimento pelo agente de determinadas normas de conduta trabalhista.
Na ótica do i. Procurador do Trabalho Raimundo Simão de Melo, “se o dano moral lato sensu é a violação de direitos da personalidade, dano moral coletivo é a violação transindividual dos direitos da personalidade”.
Aliás, com a Constituição de 1988, a noção de dano moral não mais se restringe à dor e ao sofrimento (incisos V e X do artigo 5º), abrindo espaço a outros fatores que afetam negativamente a um grupo, como a lesão imaterial ambiental e os direitos e interesses metaindividuais da coletividade, previstos na Lei nº 7.347/85 (de ação civil pública) e no Código de Defesa do Consumidor. Aquela assegura a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Já o Código de Defesa do Consumidor garante a prevenção e a reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos e o acesso aos órgãos judiciais e administrativos.
Por outro lado, ensina Melo, não há qualquer restrição do direito à pretensão de indenização por dano moral coletivo, pois tais dispositivos (incisos V e X dos artigos 5º, da Constituição, e 186, do Código Civil) são abrangentes e englobam quaisquer ofensas ao nome, à imagem, à honra, à pessoa, etc, albergando as pessoas naturais, as jurídicas e as coletividades.
Na hipótese, a indenização pelo dano moral coletivo, conforme requerido no item 3 da exordial, fl. 23, está previsto na lei 7.347/85, em seu art. 1º e, consoante tudo quanto evidenciado no exame das antecedentes pretensões, são sem dúvida convincentes as razões jurídicas apresentadas pelo Ministério Público, demonstradas pelo acervo fático-probatório aos autos coligido.
Com efeito, restou bem definida a atitude da empresa, ao longo dos anos, que ao tomar conhecimento da vontade externada pelos empregados, quanto ao turno reduzido de seis horas nos revezamentos ininterruptos, passou a coagir os trabalhadores com a obrigação de labor em turnos fixos de 8 horas, ameaçando-os veladamente com o expurgo de direitos que antes detinham e perda de vantagens econômicas (pagamento de abono, por exemplo), caso não pressionassem o Sindicato à renovação do acordo coletivo quanto ao tema. Inclusive, recusando-se o representante da categoria à realização de assembléia geral para colocar o assunto em pauta, visando a pactuação do novo acordo coletivo de trabalho, ainda compeliu a ré um determinado grupo de empregados (havia até mesmo trabalhador afastado por problemas de saúde, além de outros completamente alheios ao que acontecia), a movimentar o Judiciário contra o ente sindical.
Tudo - frise-se - com êxito, já que a pressão exercida acabou culminando na realização de acordo coletivo ao final do ano de 2004, pressão essa que o ápice alcançou com a suspensão do turno ininterrupto de revezamento e fixação empresária de horários fixos, causando prejuízos pessoais, familiares, educacionais e financeiros à coletividade com o objetivo único, repudiado aqui, de imiscuir-se na atuação do Sindicato e na livre manifestação de vontade dos trabalhadores.
Próspero, em decorrência, o recurso também no presente tópico, tendo em vista as considerações expendidas na análise precedente, porque, a toda evidência, o procedimento adotado pela ré causa repulsa, na medida em que violados direitos fundamentais, individuais e coletivos, causando prejuízos à coletividade, como um todo, impedindo a liberdade sindical em flagrante coação aos trabalhadores impingida, na tentativa de impedir e fraudar a legítima atuação do sindicato profissional e o exercício da manifestação livre de vontade no âmbito das negociações coletivas.
A ingerência é inadmissível, na esfera da coletividade, e todo conjunto de fatores - da imposição unilateral de um turno de trabalho com perda de conquistas a fim de compelir os empregados à aquiescência com o antigo sistema, até a óbvia manipulação de prepostos a fim de angariar pseudo-autores de ações contra o sindicato da categoria, alguns dos quais sequer sabiam do que se tratava - externou conduta empresarial com indiscutível potencial de lesividade aos direitos dos trabalhadores, com intensidade para atrair a cominação de indenização, a qual tem função preventivo-pedagógica. Entendo, portanto, que perfeitamente aceitável a reparabilidade do dano moral em face da coletividade - consubstanciada em coação praticada para manutenção da jornada de oito horas em turnos de revezamento ininterrupto - que apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal a receber proteção do Direito.
Dentro de todo o contexto procede o pedido de reparação por dano moral, para condenar a ré ao pagamento de indenização no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), considerando sua capacidade econômica, porte do empreendimento e fixação de um montante que realmente reflita penalidade educativa, leia-se, que não seja ínfimo a ponto de nada representar, diante do porte do empreendimento, a ser revertido ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador. (.jbc.).
III - CONCLUSÃO
Conheço dos recursos ordinários interpostos, bem como das contra-razões, excetuando, na empresária, a renovação das preliminares em primeiro grau rejeitadas e nas quais vencida a parte. No mérito, dou provimento ao apelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Três Marias, para admitir a assistência litisconsorcial no pólo passivo da presente ação civil pública, deferindo-a. Provejo, em parte, o recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho para, julgando parcialmente procedente ação, conferir provimento aos pedidos expressos nos itens 1, 2 e 3 (esse em parte), do rol de fl. 23, condenando a empresa requerida em obrigação de não fazer, consistente na abstenção de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimidação sobre os empregados com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e livre manifestação de vontade dos trabalhadores, bem como de interferir, sob qualquer forma ou pretexto, nas atividades do sindicato profissional, sob pena de multa diária equivalente a R$100.000,00 (cem mil reais), na hipótese de descumprimento, respondendo, ainda, pelo pagamento do valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), a título de dano moral coletivo, a ser revertido em favor do FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quarta Turma, à unanimidade, conheceu dos recursos, bem como das contra-razões, excetuando, na empresária, a renovação das preliminares em primeiro grau rejeitadas e nas quais vencida a parte; no mérito, por maioria de votos, deu provimento ao apelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Três Marias, para admitir a assistência litisconsorcial no pólo passivo da presente ação civil pública, deferindo-a, vencido o Exmo. Desembargador Revisor, que determinava o retorno dos autos à origem para ouvir o Sindicato sobre a alegação de coação e entendendo que a titularidade da ação seria do Sindicato e não do Ministério Público do Trabalho; por maioria de votos, vencido o Exmo. Desembargador Revisor, deu provimento parcial ao recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho para, julgando parcialmente procedente ação, conferir provimento aos pedidos expressos nos itens 1, 2 e 3 (esse em parte), do rol de fl. 23, condenando a empresa requerida em obrigação de não fazer, consistente na abstenção de exercer, sob qualquer forma, coação, pressão ou intimidação sobre os empregados com o objetivo de interferir ou anular o livre exercício da atividade sindical e livre manifestação de vontade dos trabalhadores, bem como de interferir, sob qualquer forma ou pretexto, nas atividades do sindicato profissional, sob pena de multa diária equivalente a R$100.000,00 (cem mil reais), na hipótese de descumprimento, respondendo, ainda, pelo pagamento do valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), a título de dano moral coletivo, a ser revertido em favor do FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Belo Horizonte, 17 de dezembro de 2008.
JÚLIO BERNARDO DO CARMO
Desembargador Relator
Publicação: DJ em 31.01.2009
(*) Luiz Salvador é Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Vice-Presidente da ALAL (www.alal.la), Representante Brasileiro no Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico da AEPETRO e da ATIVA, membro integrante do corpo técnico do Diap e Secretário Geral da CNDS do Conselho Federal da OAB, e-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
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