domingo, 10 de maio de 2009
ARGENTINA: Estatísticas manipuladas buscam mascarar a pobreza e o desemprego crescente
Economia de Cassino
Por fora das estatísticas, pobreza e desemprego crescem na Argentina
(*) Luiz Salvador
A essência do desenvolvimento econômico é o social. Todavia, muitos países, em fase de desenvolvimento, aderiram ao “canto da sereia” do neoliberalismo econômico que pregava abertura das fronteiras, flexibilização e precarização laboral, como forma de se atingir a empregabilidade de seus cidadãos e um mundo farto de riquezas infinitas, a todos. A Argentina foi um dos países a aderir às propostas do receituário neoliberal, conhecido como “Consenso de Washington”. Flexibilizou-se e precarizou-se sua legislação laboral.
O sistema econômico de inspiração neoliberal ruiu. Atualmente, os próprios EUA buscam o caminho de volta, o das “privatizações”, incluindo-se nessas iniciativas o próprio sistema bancário. O lema era: Estado enxuto, sem interferência na economia, deixando tudo ao sabor do “deus mercado” que tudo “podia”. Mas o receituário era sempre o mesmo: “aumento da prodituvidade, maximização dos lucros, ao menor custo operacional possível”.
Resultou desse modelo, sem responsabilidade social, o caos, a crise de repercusões na economia do mundo todo. O modelo em crise criou sim um mundo de fartura para poucos, mas um mundo de excluídos, desempregados, desiludidos e desesperançados no mundo todo.
Um exército de mão de obra à procura de opções a uma vida melhor começaram a atravessar fronteiras à procura da empregabilidade prometida. Mas a o modelo implantado numa economia de escala de ordem mundial abansonou a conhecida essência do desenvolvimento econômico baseada no social, para a prevalência do “patrimonialismo”, sem responsabilidade social, permitindo-se com isso a concentração de rendas em larga escala mundial e o perseguido enriquecimento de poucas famílias no mundo que se tornaram bilhardárias. Mas o modelo ruiu, quebrou e agora quem está sendo chamado a pagar a conta é justamente o Estado, a sociedade, os trabalhadores que não participaram dos resultados dos lucros fantásticos que o modelo proporcionou aos seus beneficiários conhecidos.
O mundo de miséria, desespero e fome está aí, como resultado da adesão ao "canto da sereia" do modelo econômico neoliberal que se implantou no mundo todo.
Para mascarar essa realidade, usam-se de todas as ferramentas possíveis, até mesmo o das manipulações das estatíticas buscando ocultar a triste realidade desse quadro de tragédia que se criou, atingindo os países com o desemprego crescente e em especial o que vem ocorrendo nos conhecidos países tidos como “periféricos”, como é o caso da Argentina, que por fora das estatísticas, a pobresa e o desemprego cresce assustadoramente, como retrata a reportagem da Folha de São Paulo neste dia comemorativo ao Dia das Mães, Edição São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009, FOLHA DINHEIRO.
Por fora das estatísticas, pobreza e desemprego crescem na Argentina
Em meio à crise, 7.500 pessoas invadem terras na periferia de Buenos Aires
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Enquanto para o governo da Argentina a pobreza atinge o menor nível em 20 anos -um dos vários índices oficiais sob suspeita de manipulação no país-, a crise econômica viu surgir a maior invasão de terras da periferia de Buenos Aires.
Batizada Vila 17 de Novembro, a enorme favela em construção alude à data em que 7.500 pessoas tomaram uma área de 14 x 6 quarteirões (cerca de 1.400 x 600 metros) de escombros, lixo e água poluída em Lomas de Zamora, a 15 km do Obelisco.
Ali a Folha encontrou o brasileiro César Ramirez, 30, que trocou o trabalho na soja em Naviraí (MS) pela vida no entorno pobre da Grande Buenos Aires. Casou-se e teve um filho no país e agora torce pela posse da terra. Desempregado, montou uma despensa em casa onde vende "até óleo por litro, como os argentinos". "Aqui [Argentina] não tem serviço."
Ramirez e a Vila 17 de Novembro são expressões da crise econômica na Argentina, que repete o roteiro visto em outros países, com queda na atividade econômica e no comércio exterior, mas também expõe fraquezas do modelo kirchnerista -gestões Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner. Mostram aumento da miséria e deterioração do mercado de trabalho que números oficiais não alcançam.
Para o governo, pobreza e desemprego caíram em 2008 e chegam, respectivamente, a 15,3% e a 7,3% da população.
Para calcular o número de pobres, o governo usa o custo da cesta básica -medido com índices de inflação sem credibilidade desde janeiro de 2007, por mudanças de metodologias no Indec (o IBGE local).
"Recalculamos o custo da cesta todo mês e temos diferenças de 50% com o governo. Quando usamos essa cesta, a pobreza não diminui, mas volta a aumentar a partir de 2007", afirma o economista Ernesto Kritz, para quem 11,2 milhões de argentinos (32% da população do país) vivem abaixo da linha de pobreza.
Segundo Kritz, a crise mundial retraiu o consumo e ajudou a baixar a inflação de alimentos, maior responsável pelo avanço da pobreza. "Mas o que se poderia ter ganho com a desaceleração se perdeu na piora do mercado de trabalho."
Outro termômetro da crise argentina é o serviço estatal de conciliação obrigatória para a abertura de ações trabalhistas. No último dia 28, dezenas de pessoas se aglomeravam por atendimento em um só balcão.
"Não temos recursos humanos e materiais para atender a todos", disse o atendente Federico Vendejo. Segundo ele, 40 mil pessoas já abriram ações no serviço neste ano -60% a mais em relação a 2008.
Desemprego
Não há dados consolidados sobre demissões no país, mas desde o início da crise o governo passou a complementar em até R$ 350 os salários de 60 mil trabalhadores privados, sob o compromisso temporário de 1.200 empresas de não demitir.
Para Kritz, há pelo menos 320 mil desocupados fora das cifras oficiais. O governo diz que a economia cresceu 2,4% no primeiro bimestre deste ano -de 2003 a 2008 o PIB avançou, em média, 8% ao ano-, mas informes privados apontam recessão desde outubro.
Anunciada no verão, a bateria de medidas anticrise do governo não decolou. Centrada em créditos para a compra de carros e de eletrodomésticos, atingiu, em média, 10% das metas de vendas. "Anunciava-se um plano de troca de geladeiras, mas no dia seguinte não havia geladeiras nem financiamento", afirmou Vicente Lourenzo, da Confederação Argentina da Média Empresa.
Isolada do crédito internacional desde o calote de sua dívida, em 2002, e com empréstimos que representam apenas 12% do PIB, a Argentina sofreu pouco o contágio financeiro inicial da crise. O impacto veio com as quedas no intercâmbio comercial (30%) e no ritmo de crescimento da arrecadação, que se mantém em alta (14% em abril) pelo efeito da inflação e da estatização dos fundos privados de previdência.
Fuga de capitais"
A estatização gerou uma saída de capitais ainda maior na economia", afirma Marina Dal Poggetto, da consultoria Bein e Associados. A fuga de capitais chegou a US$ 23 bilhões em 2008 e neste ano já supera em 150% a do mesmo período do ano passado.
Dos superávits que sustentaram os anos de crescimento, o comercial se mantém pelos entraves a importações adotados pelo governo desde o início da crise -e que reduziram em 43% as vendas brasileiras ao país vizinho neste ano. Já o superávit fiscal registrou queda de 61% em março, em um cenário de gastos em alta e compromissos financeiros crescentes.
O economista Aldo Ferrer, ligado ao governo, afirma que a Argentina está longe de uma crise como a de 2001-2002. "A situação fiscal está sólida e não há problemas de dívida. O setor financeiro está sólido e solvente, e o banco central tem bom nível de reservas [US$ 46 bilhões; o Brasil tem US$ 201,5 bilhões] e capacidade de administrar o câmbio."
Longe dessa discussão e perto da crise, o brasileiro César Ramirez tem outra preocupação: o destino de seu lote invadido na Vila 17 de Novembro. Após seis meses, a área foi declarada de interesse público para desapropriação, mas a negociação do Estado com os donos das terras segue a passos lentos. "Se tudo der certo, em um ano volto para o Brasil."
Link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1005200917.htm
Leia mais sobre o que já escrevemos sobre esse modelo econômico neoliberal que ruiu e que agora joga nos ombros da classe trabalhadora pagar a conta do desastre.
COLISÃO DE INTERESSES
A essência do desenvolvimento econômico é o social
(*) Luiz Salvador
A prioridade social tem de ser a essência do desenvolvimento econômico, e não um mero apêndice ou um suposto resultado natural do crescimento, como arremata Maria Conceição Tavares, (Folha de São Paulo, 04.11.2001).
O economista Dércio Garcia Munhós, emérito Professor da Universidade de Brasília, denuncia a política de abertura indiscriminada de nossas fronteiras, sem quaisquer salvaguardas, a partir do Governo Collor, afirmando que de globalização não se tratou, porque na verdade o que existiu foi mera ampliação de comércio, abertura de mercados para as grandes empresas internacionais interessadas apenas na integração vertical:"O que existe, tanto aqui como na Argentina, são planos políticos de poder e não econômicos. Brasil e Argentina fizeram, no Mercosul, uma abertura de mercado para produtos estrangeiros a preços baixos para manter a estabilidade artificial. ´Como os dois países se endividaram muito, precisaram de capitais especulativos de curto prazo, daí surgindo o grande fluxo de dólares para financiar o desequilíbrio. Forçados pelos Estados Unidos e outras potências, países em desenvolvimento abriram suas economias aos grandes grupos financeiros internacionais e enfraqueceram os Estados. Foi assim que nós desmanchamos os bancos estaduais, entregamos o Banespa ao capital estrangeiro e, no entanto, continuamos endividados, na dependência dos EUA e do FMI´´ (Jornal o Povo, Fortaleza, 3 de Novembro de 2001).
Nas observações do cientista político Michel Zaidan, coordenador do mestrado em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, a globalização só poderia ser resposta à crise atual dos mercados, caso represente mais investimentos, créditos, empréstimos em condições ideais, transferência de tecnologia, sendo que da forma como está posta, ao contrário do que se propaga, representa na verdade, mais endividamento, rigidez fiscal, controle externo e queda de soberania, significando mais arrocho, exclusão, fome: "a solução seria o Brasil percorrer o caminho da China, quando aceitou a globalização impondo condições. O governo mantém controle sobre a política monetária, fiscal. ´´O Mcdonalds até se instala no país, mas depois de se ajustar aos interesses nacionais, ao plano estratégico para entrada de capitais´´, afirma Zaidan. O Brasil, ao contrário, ´´escancarou-se´´. Ela enfatiza que ´´a globalização somente representa progresso quando respeita a forma autônoma de inserção no mercado internacional. O caso da Argentina exemplifica o contrário. O nosso vizinho está indo para o fundo do poço e com um abraço de afogado no Brasil que pode caminhar junto rumo à depressão´´ (Jornal o POVO - Fortaleza, 3 de Novembro de 2001).
Como principal defensor da globalização como meio de promoção do desenvolvimento mundial, o sociólogo inglês, Anthony Giddens, o idealizador da Terceira Via e guru do primeiro-ministro da Inglaterra, recomenda como remédio para a crise atual, mais globalização, apontando como um dos argumentos, o fato de que países pobres, como os africanos, estão nessa condição exatamente porque não se beneficiaram da globalização. Contrariando esse posicionamento, o cientista político e professor universitário Francisco José Loyola Rodrigues, diverge, opinando que a história é bem outra, pois que a África está miserável porque os países ricos, principalmente os europeus, deram as costas a ela, depois de séculos de espoliação, sendo que a exploração persiste até hoje, com a cobrança de uma dívida impagável: "O movimento antiglobalização afirma que o abismo entre ricos e pobres no mundo está aumentando e que a responsabilidade disso cabe à globalização. A primeira idéia é questionável e a segunda é falsa. Não existem tendências simples em matéria de desigualdade mundial. Alguns dos maiores países do leste asiático, incluindo a China, têm hoje um PIB muito maior, comparado ao dos países ocidentais, do que tinham 30 anos atrás´´, escreveu, em artigo publicado no último dia 29, em jornal de circulação nacional, Anthony Giddens. O êxito, segundo ele, se deve à participação na economia mundial. Em contrapartida, afirma o sociólogo, ´´as sociedades que procuraram se isolar das influências globalizadoras, como a Coréia do Norte, Mianmar ou Irã, sem falar no próprio Afeganistão, estão entre as mais miseráveis e mais autoritárias do mundo. ´´O que houve na África foi muito diferente: o continente foi vítima do colonialismo europeu durante séculos e quando os colonizadores abandonaram a África, sugada em suas riquezas, estraçalhada, desertificada, ela não teve asa para decolar. O desinteresse se deve, também, à geografia. Os países da América Latina conquistaram sua independência há um ou dois séculos. A África, no caso, não poderia participar da globalização a não ser como vítima a ser ajudada´´ (Jornal o POVO - Fortaleza, 3 de Novembro de 2001).
De percepção comum já do povo, até do mais simples, que a economia internacional "globalizada", apesar de sua fantástica capacidade produtiva exemplar, está criando uma realidade nova globalizadora muito preocupante – a de um mundo novo de desempregados, de desiludidos, de desesperançados e de excluídos - decorrente da política de redução do papel do Estado, na busca prevalente do mero interesse particular do lucro, sem qualquer preocupação com a vida, que é a razão principal do Estado.
Esta realidade cruel, já foi reconhecida até mesmo pelo FHC em sua recente entrevista ao Jornal espanhol "El País", ao redefinir o papel do Estado como um "ser ecológico", ou seja: "O Estado deve ocupar-se da vida. A vida, as pessoas, a saúde, a educação, a segurança, o meio ambiente. O mercado não se ocupa disso. Nunca se ocupou nem vai ocupar-se. O Estado deve ser o gestor da vida e o mercado, o gestor dos bens. E a vida tem que prevalecer sobre os bens" (Folha de São Paulo, 30.10.2001).
A crise vivenciada não apenas pelo Brasil e Argentina, mas de todos os países em desenvolvimento está centrada na percepção de um descompasso entre fluxos comerciais e financeiros. O compromisso financeiro assumido é incompatível com o perfil de integração comercial argentino e brasileiro. O relatório do Banco Mundial (Bird) é esclarecedor sobre esta questão: Argentina e Brasil devem sofrer mais por causa das turbulências nos mercados de capitais do que devido a efeitos comerciais relacionados ao enfraquecimento da atividade global" (Folha de São Paulo, 04.11.2001). E como sintetiza o articulista da Folha, Gilson Schwartz: "Isso reflete o nível elevado de dívidas públicas e privadas e grandes déficits em conta corrente, cerca de 3% do PIB para a Argentina e em torno de 5% para o Brasil. Com esse perfil de dívida, nem a queda dos juros no resto do mundo ajuda". Chega de ilusão, os Países ricos na verdade usam do discurso da liberação do comercio global, mas dentro de suas fronteiras defendem intransigentemente os seus interesses internos (agricultura e políticas de antidumping e anti-subsídio).
A orientação nº 319 do Banco Mundial e a política de desmonte dos direitos trabalhistas
Não foi por outro motivo que o constituinte brasileiro, ao reconhecer essa realidade incontestável de objetivos diversos e buscando assegurar ao Estado condições da promoção do bem comum e tendo o homem como beneficiário e destinatário de todas as riquezas geradas pela produção econômica, assegurou a prevalência do social em detrimento do mero interesse particular do lucro (CF, art. 5º, inciso XXIII e 170, incisos, I, III, V, VI, VII, VIII).
Não obstante a necessidade do respeito ao direito pleno de soberania de cada país, é de todos sabido que o Banco Mundial por seu documento técnico nº 319, como condicionante à liberação dos empréstimos internacionais, impõe aos países tomadores desses recursos, e em especial os ditos emergentes, como Argentina e Brasil, novas concepções de Justiça, do Direito do Trabalho, de emprego, flexibilizando-se sua legislação de sustento, pela política neoliberal de prevalência do negociado sobre o legislado. As normas rígidas existentes nos códigos, constituições já não servem ao mercado. O que se pretende atualmente não é valorizar o trabalhador, mas adaptar o trabalho ao mercado: "a economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz para governos e setor privado visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os mercados se tornam mais abertos e abrangentes e as transações mais complexas, as instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância. Sem estas instituições, o desenvolvimento no setor privado e a modernização do setor público não será completo". Diz, ainda, a referida "recomendação" que os programas de Reforma do Judiciário devem ser feitos em etapas: "a construção de um projeto de reforma global do Judiciário como objetivo principal, o que demanda um tempo razoável, discussões, estratégias políticas, e ao mesmo tempo se implementar alterações legislativas fracionadas que irão mudando o contexto global" (CLAIR DA FLORA MARTINS, IV ELAT, realizado na Argentina, de 24 a 27.10.2001, exposição feita no painel: Reforma Laboral: Disponibilidad colectiva y contrato individual. Derechos adquiridos).
De se ressaltar, portanto, que o exemplo de se seguir a política suicida de desmonte da legislação social e trabalhista, privilegiando os interesses particulares de mercado, já foi rigorosamente seguido pela Argentina e de nada adiantou, não se vislumbrando saídas econômicas promissoras, sendo que o seu nível de arrecadação baixou 11%, além de contar com dois problemas de difícil solução, a dívida dolorizada e a dificuldade política de redução do repasse de verbas públicas às províncias e, tudo isso, apesar do reconhecimento inconteste de ser a Argentina um dos países mais competitivos do mundo no setor agrícola e de possuir o nível educacional e cultural dos mais altos da América Latina.
Segundo o economista Paulo Leme, do Goldman Sachs, um dos estrategistas de mercados emergentes mais respeitados de Nova York a sua situação econômica é das mais complicadas e conclui: "Renegociar a dívida não resolve a crise da Argentina.’Com a piora do quadro mundial, a economia projeta retração de dois dígitos, o que agrava ainda mais o quadro da Argentina. A estratégia do déficit zero não funciona com a economia mundial em queda".(jornal da Lílian, Sexta-feira, 02 de novembro de 2001, Os rumos da Argentina depois do oitavo pacote).
Apesar disso, tudo, a opção do Presidente Fernando De la Rua é por mais globalização e por mais flexibilização dos direitos trabalhistas, como denunciou o jurista Dr. Héctor RECALDE (da Argentina) em sua intervenção no IV ELAT (Encontro Latino-Americano de Advogados Laboralistas), realizado em Buenos Aires de 24 a 27 de outubro de 2001, painel: Incidência de la globalización Y el neoliberalismo em el derecho laboral argentino y latinoamericano: "atendendo à orientação contida na Orientação nº 319 do Banco Mundial, o governo do Presidente Fernando De la Rua acaba de enviar expediente à referida agência mundial, comunicando que o governo da Argentina prossegue sua política legislativa de flexibilização dos direitos trabalhistas, agora legalizando inclusive a terceirização de mão de obra no País, até mesmo através das Cooperativas de Trabalho".
No Brasil, a situação não é muito diferente, sendo que o que nos diferencia são as garantias sociais e trabalhistas estarem asseguradas pela Constituição Federal, o que dificulta um pouco mais a política de desmonte dos direitos trabalhistas então já consolidados no patrimônio jurídico dos trabalhadores, como créditos de ordem pública, alimentares e indisponíveis, só podendo ser renunciáveis na presença do Juiz do Trabalho, como forma de evitar-se fraudes, como ressalva PINTO MARTINS: "(...) pois, nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo" (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 8ª edição, SP Edit. Atlas, 1999).
Como na Argentina, o governo neoliberal de FHC tem procurado seguir à risca a cartilha neoliberal de flexibilização e desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas em prol da regulação própria de mercado, como se extrai do exame da legislação já modificada: "banco de horas" (sistema de compensação de horas-extras), "contratação por tempo determinado, com redução de encargos", etc, sendo que no Congresso Nacional tramitam diversos projetos de lei que tem preocupado os trabalhadores e as entidades nacionais existentes compromissadas com a defesa, o direito e o respeito à manutenção das garantias legais protetivas do trabalho humano (entidades sindicais obreiras, OAB, Abrat, ANAMATRA e Associação dos Procuradores do Trabalho, dentre outras).
Dentre esses Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional, especial destaque deve ser atribuído:
a)- ao Projeto de Lei 4.302-B, que pretende alterar a Lei 6019/74, para permitir-se a legalização da locação de mão de obra, por prazo de nove meses e ou mais, por negociação coletiva, quer para os casos de atividade "meio"e ou mesmo para os casos de "atividades fins", autorizando, assim, a que a terceirização seja praticada livremente sem quaisquer ressalvas e ou reservas;
b)- ao Projeto de Lei 5483/2001, encaminhado em regime de urgência, que alterando o art. 618 da CLT, pretende a prevalência do negociado sobre o legislado, sem antes assegurar-se as salvaguardas necessárias a que efetivamente haja uma livre e necessária negociação coletiva, sem submissão do trabalho aos interesses do mero interesse particular do lucro do capital, sem preocupação com a vida e ou com o social, que é papel exclusivo do Estado. A nova redação de alteração do art. 618 da CLT proposta pelo Projeto governamental tem a seguinte redação: "As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde de que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e de saúde no trabalho".
Em nosso entender, além de equivocado o projeto, principalmente neste momento de crise e de desemprego mundial crescente, o projeto colide com o texto constitucional que não autoriza flexibilizações outras da legislação protetiva do trabalho humano, já que expressamente a própria Carta Política vigente já limitou a flexibilizou onde entendeu possível, ou seja: "redução do salário (art. 7º, VI); redução da jornada de oito horas diárias (art.7º, XIII) ou da jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (art.7º, XIV).
E como ressalta o conhecidíssimo Professor José Affonso Dallegrave, autor de diversas obras jurídicas publicadas pela Editora LTR, o direito do trabalho após sucessivas medidas flexibilizadoras ocorridas nos últimos 40 meses (desde a edição da Lei 9601/98) tornou-se um dos mais flexíveis do mundo. A mão-de-obra com todos seus encargos básicos (férias, 13º e FGTS) é uma das mais baratas do mundo, sobretudo se considerarmos o valor do Salário Mínimo (vergonha nacional).
Cite-se como exemplo algumas inovações legislativas que aniquilaram direitos
trabalhistas historicamente conquistados:
- banco de horas - art. 59 da CLT;
- trabalho a tempo parcial. art. 58-A da CLT;
- suspensão temporária. art. 476-A da CLT;
- fim da estabilidade do servidor público - art. 41 da CF/88;
- denúncia da Convenção 158 da OIT;
- redução do prazo prescricional do rurícola - Emenda Constitucional;
- Súmula 330 do TST;
- eficácia liberatória ampla das Comissões Prévias - art. 625-E;
- fim do salário "in natura" em face da alteração do art. 458 da CLT;
- redução de salário mediante ACT ou CCT, art. 7º, da CF;
O direito trabalhista brasileiro é tutelar, inadmitindo restrição de direitos irrenunciáveis.
O nosso ordenamento jurídico assegura a garantia da indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas: "No direito do trabalho, unânime a aceitação de que a regra é a inderrogabilidade relativa das regras jurídicas, máxime diante dos arts. 9º, 444 e 468, da Consolidação das Leis do Trabalho; as partes interessadas podem dispor, sim, desde que não contrariem os patamares mínimo e máximo estabelecido pelo ordenamento jurídico, quer em lei, quer em instrumento normativo da categoria, sob pena de nulidade (...). Os direitos dos trabalhadores, quer os previstos em lei, quer os negociados em acordos, convenções coletivas ou previstos em sentença normativa, assim como os abrangidos por normas emanadas de autoridades administrativas no exercício de sua competência legal, se inserem nos contratos individuais de trabalho, tornando irrenunciáveis as respectivas cláusulas". (ALDACY RACHID COUTINHO in "A INDISPONIBILIDADE DE DIREITOS TRABALHISTAS", monografia publicada na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 33 - 2000, pág. 09).
Os direitos sociais e trabalhistas foram elevadas à categoria de direitos fundamentais, artigos, 6º, 7º e parte final do § 2º do art. 114 da CF, garantia constitucional esta que veio a ser reafirmada recentemente pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que, no exercício de sua competência plena e exclusiva de guardiã da Lex Legum (CF, art. 102, caput e inciso III "a"), decidiu que o direito ao negociado não pode violar os direitos legais irrenunciáveis dos trabalhadores: "Acordo Coletivo e Estabilidade de Gestante (...). Os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem restringir direitos irrenunciáveis dos trabalhadores (...)STF, Primeira Turma, RE 234.186-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, in DJ de 31.08.01).
A aprovação do projeto na Câmara dos Deputados e suas conseqüências
Após o período de obstrução praticado pela própria base parlamentar de sustentação ao governo, o projeto de lei 5483.2001, que dá prevalência ao negociado sobre o legislado, acabou por ser aprovado pela Câmara no início da noite da terça-feira (04.12.2001), em tumultuada sessão onde votaram 479 deputados, sendo que 264 foram favoráveis ao projeto, 213 se posicionaram contrariamente e dois se abstiveram. Agora o PL segue para apreciação no Senado.
Para a obtenção desse resultado, o governo neoliberal do FHC, colocou na rua toda a sua tropa de choque, ministros, governadores, empresários, como forma de "pressionar" os parlamentares de sua base aliada a votar num projeto antipopular, submetendo sua base aliada a um confronto direto com a representação dos trabalhadores, contrários à aprovação do Projeto (OAB, ABRAT, ANAMATRA, ANPT, sindicatos, centrais sindicais, dentre outras entidades diversas que se mobilizaram para manifestação do seu repúdio à referida alteração).
Aprovado o Projeto, já no dia seguinte (05.12.2001), o Correio Braziliense NOTICIA NA PRIMEIRA PÁGINA que o CUSTO da aprovação do projeto, para o Governo, foi de quase R$ 800 mil destinados a Força Sindical e R$ 5,1 MILHÕES concedidos aos deputados em emendas então apresentadas ao orçamento da União, denúncia esta que se confirmada, certamente servirá de mais um dos fundamentos ao ajuizamento da ADIN perante o STF, tornando ILEGÍTIMA A VOTAÇÃO, por vício de vontade.
O Dr. Celso soares, do Rio de Janeiro, ex-Presidente da Abrat, examinando os efeitos perversos do Projeto aprovado pela Câmara conclui que: O projeto 5483 "não" altera o art. 618/CLT. Na verdade, pode "nem estar aí" para ele. O que ele faz ? Rompe, quebra, implode, destrói, detona os PRINCÍPIOS do Direito do Trabalho, sendo que a indisponibilidade e a irrenunciabilidade, vão estar em livros que nós iremos ler para as próximas gerações, dizendo como era o direito do trabalho no século "passado". Mas, os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade são garantias intrínsecas do tipo de sociedade que desejamos, capitaneada por um Estado protetor que intervém no mercado para garantir um necessário equilíbrio entre a desigualdade existente entre a força do trabalho e o capital, assegurando a prevalência de uma legislação mínima de sustento ao trabalhador, deixando para os acordos e CCT a discussão das novas conquistas complementares de melhores condições de vida e de salário. Tais direitos estão no mesmo patamar da defesa ao negro, à criança, ao deficiente físico, ao consumidor etc "etc.".
A necessidade do restabelecimento da prevalência do social assegurado pela Carta Política vigente
Há que se reagir contra essa idílica visão economicista traçadas pelas políticas neoliberais da última década, que após a queda do muro de Berlim, mudou de rumo. Ao invés de se persistir nos caminhos da busca do pleno emprego, inverteu-se as prioridades, ao abandonar esse objetivo, "à medida que as teorias neoliberais passaram a acentuar uma espécie de relação perversa entre pleno emprego e inflação, disseminando conceitos deletérios como o de uma taxa natural de desemprego ou a existência de milhões de inempregáveis. Temos que reagir e voltar ao ideal da busca do pleno emprego" (Rubens Ricúpero, Folha de São Paulo, 04.11.2001).
Resta-nos, portanto, agora, que o Senado da República, faça prevalecer os primados constitucionais vigentes, não permitindo que o Governo Federal, representado na figura de Presidente, continue a violentar a Constituição cidadã que jurou respeitar, passando a exercer plenamente a soberania nacional, como o inalienável direito dos povos livres (CF, art. 1º, inciso I), cumprindo o primado da prevalência do social em detrimento do mero interesse particular do lucro, fazendo valer o reconhecido papel do Estado como um "ser ecológico", que se ocupa com as pessoas, com a saúde, com a educação, com a segurança, com o meio ambiente – um Estado gestor da vida - já que o mercado não se ocupa disso. Que se faça prevalecer a vida sobre os bens!!!
Link: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3321
(*) Luiz Salvador é Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Vice-Presidente da ALAL (www.alal.la), Representante Brasileiro no Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico da AEPETRO e da ATIVA, membro integrante do corpo técnico do Diap e Secretário Geral da CNDS do Conselho Federal da OAB, e-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br
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