domingo, 10 de outubro de 2010

JURISPRUDÊNCIA













Foto: Grijalbo Coutinho
Grijalbo Fernandes Coutinho é magistrado do Trabalho, juiz convocado para o TRT10, Titular da 19º Vara do Trabalho de Brasília – DF, ex- Presidente da ANAMATRA e da ALJT e autor de vasta produção intelectual e jurídica


INTERDITO PROIBITÓRIO

Decisão assegura o livre exercício do amplo direito constitucional de greve

(*) Luiz Salvador

TRT DA DÉCIMA REGIÃO
Acórdão relatado por Grijalbo Coutinho nega pedido de liminar do Bradesco para impedir a greve dos bancários de Brasília.

Sustenta o Bradesco em seu mandado de segurança impetrato contra decisão do juiz de primeiro grau e titular Titular da 16ª Vara do Trabalho de Brasília - DF, nos autos da ação n.º 0001323-42.2010.5.10.0016, que ao indeferir seu pleito de medida liminar contido na ação de Interdito proibitório, violou o magistrado seu direito de propriedade, como decorrência do esbulho e turbação em sua posse.

Em suas razões aduz o banco impetrante o deferimento de medida liminar para que o ente sindical se abstivesse de praticar atos que embaracem o exercício de direitos fundamentais de terceiros e que molestem a posse mansa e pacífica de seus imóveis durante toda a duração do movimento grevista.

O Acórdão relatado pelo relator Grijalbo Coutinho examina com profundidade o direito, os fatos e o pedido do banco, mas nega o deferimento da liminar pretendida, ao entendimento de que o interdito proibitório, meio de defesa da posse ilegalmente esbulhada, não é compatível com o direito de greve, já que sabido que o movimento paredista de trabalhadores por melhores condições de trabalho não busca a expropriação dos bens imóveis de propriedade da empregadora. E que diante da natureza possessória da ação de interdito intentada não se enquadra como instrumento hábil para buscar solução de conflitos trabalhistas.

Leia a íntegra do Acórdão.

RELATOR : Juiz Grijalbo Fernandes Coutinho-

Impetrante : Banco Bradesco SA

Advogado : Washington de Siqueira Coelho

Autoridade Coatora: Juiz Titular da 16ª Vara do Trabalho de Brasília - DF

Litisconsorte: Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Brasília - DF

D E C I S Ã O

Vistos os autos.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por Banco Bradesco S.A., com pedido de liminar, contra ato praticado pelo Exmo. Juiz Titular da 16ª Vara do Trabalho de Brasília - DF, nos autos da ação n.º 0001323-42.2010.5.10.0016.

Narra o impetrante que foi deflagrado movimento paredista a partir de 29/9/2010. Disse que os associados do SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BRASÍLIA-DF (SEEB) estão se postando em frente de suas agências de forma a impedir o acesso de empregados, clientes e usuários àquelas dependências, ensejando, assim, violação do direito de greve e contrariando o disposto no artigo 6º da Lei nº 7.783, de 29 de junho de 1989. Sustenta que vem sofrendo esbulho e turbação em sua posse, razão por que ingressou com ação de Interdito Proibitório em face da referida entidade bancária. Aduz que, nada obstante estar devidamente demonstrados os constrangimentos e ameaças, a nominada autoridade coatora indeferiu a pretensão liminar. Faz considerações acerca do exercício de greve e da exploração da atividade econômica, para concluir que o movimento grevista constitui instrumento abusivo.

Afirma, dessa forma, que a decisão da autoridade judicial infringiu o direito à posse, à liberdade de locomoção, de greve, estando presente, pois, aflorada a fumaça do bom direito. Assevera concentrar-se o periculum in mora na impossibilidade de, em razão das coações, não ser possível realizar normalmente suas atividades bancárias, além de ficar impossibilitada a entrada de clientes e de empregados que pretendem trabalhar.

Pretende, portanto, seja determinado, in limine, que o ente sindical abstenha-se de praticar atos que embaracem o exercício de direitos fundamentais de terceiros e que molestem a posse mansa e pacífica de seus imóveis durante toda a duração do movimento grevista. Requer, ainda, a aplicação de astreintes.

Feito breve relato, passo a decidir.

Pública e notória a greve nacional dos bancários, inclusive na base territorial do impetrante.

Cabe relevar, contudo, que o interdito proibitório, meio de defesa da posse ilegalmente esbulhada, não é compatível com o direito de greve, pois esse movimento paredista de trabalhadores por melhores condições de trabalho não busca a expropriação dos bens imóveis de propriedade da empregadora. Assim, por sua natureza possessória, a utilização de ação de tal índole não é o instrumento adequado para a solução de conflitos trabalhistas, sob pena de ser criado um artifício para, em última análise, colocar em xeque a própria mobilização nas imediações dos locais de trabalho dos grevistas.

Sob outro ângulo, urge pontuar que o direito de greve é assegurado pelo artigo 9º da Constituição Federal. Tal preceptivo foi regulamentado pela Lei nº 7.783, de 29 de junho de 1989.

Segundo seu artigo 2º é legítimo o exercício do direito de greve, consubstanciada “na paralisação coletiva, temporária e pacífica de prestação pessoal de serviços a empregador.”

Por sua vez, o artigo 6º da mesma Lei assegura aos grevistas, dentre outros direitos “o emprego de meio pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”.

Oportuno trazer à colação a dicção do Enunciado 6, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, realizada no col. Tribunal Superior do Trabalho em novembro de 2007, que exprime o seguinte entendimento, in verbis:

“GREVES ATÍPICAS REALIZADAS POR TRABALHADORES. CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS. Não há, no texto constitucional, previsão reducionista do direito de greve, de modo que todo e qualquer ato dela decorrente está garantido, salvo os abusos. A Constituição da República contempla a greve atípica, ao fazer referência à liberdade conferida aos trabalhadores para deliberarem acerca da oportunidade da manifestação e dos interesses a serem defendidos. A greve não se esgota com a paralisação das atividades, eis que envolve a organização do evento, os piquetes, bem como a defesa de bandeiras mais amplas ligadas à democracia e à justiça social.”

Consoante se percebe, o ordenamento jurídico pátrio assegura a livre manifestação dos grevistas em qualquer lugar, não devendo ser tolerado, apenas, eventuais abusos.

No caso, todavia, ante à prova documental jungida aos autos, não se divisa verossimilhança nas alegações articuladas na inicial, na medida em que não se vislumbra nenhuma ameaça de turbação ou esbulho iminentes, nem mesmo uma eventual possibilidade de vir a ocorrer.

Das fotos colacionadas, a fls. 96/103, 118/119 e 136/143, vê-se que há pessoas postadas em frente à agência bancária, aposição de faixas em porta de acesso. Entretanto, elas não revelam a existência de atos ameaçadores do livre exercício da posse do impetrante por parte de associados do Sindicato/litisconsorte, quiçá de que está sendo impedida a entrada e saída de clientes e de empregados não-aderentes à greve às dependências do Banco.

Cumpre notar que a autoridade apontada como coatora determinou a expedição de Mandado de Averiguação (a fls. 121). Em cumprimento, os Oficiais de Justiça Avaliadores certificaram que as agências do Banco Bradesco S.A., situadas nas Quadras 504 e 516 Sul e no Núcleo Bandeirante, encontravam-se funcionando normalmente, “em que pesem os cartazes de ‘greve’ afixados na fachada” (a fls. 125 e 127). Releve-se, inclusive, que neste último estabelecimento o Sr. Oficial de Justiça observou que a agência funcionava normalmente, “com funcionários de caixa e gerentes em atendimento, sem qualquer tumulto ou outra ocorrência”.

Conforme ressaltado, a análise probatória permite concluir inexistir a alegada turbação, o ventilado esbulho ou o justo receio de ser afetada a posse, previstos no artigo 1.220 do CCB e 932 do CPC, praticada pelo Litisconsorte.

Segundo bem afirmou o MM. Juízo a quo “A alegação empresarial, portanto, tem nítido caráter subjetivo e genérico, mais aparentando uma postura inibitória do movimento grevista que mal havia sido deflagrado”.

Em tais circunstâncias, conceder o interdito proibitório requerido significa emitir um cheque em branco para o Banco Bradesco S.A., a fim de inviabilizar de modo definitivo a greve assegurada pelo artigo 9º da Lei Magna. E assim o é porque, repita-se, a prova dos autos revela, segundo certidão circunstanciada do sr. Oficial de Justiça, não haver a mais remota possibilidade de esbulho possessório.

O que pretende o impetrante é obter uma chancela judicial preventiva para impor ao movimento grevista uma derrota fora do embate próprio reservado a esse tipo de luta por melhores condições de trabalho.

O Poder Judiciário não pode se prestar ao papel de tutor dos interesses patrimoniais das empresas afetadas pelo legítimo direito de greve previsto na CRFB.

Diante dessas circunstâncias, seria por demais temerário determinar a expedição de mandado de interdito proibitório, pois, medida desse gênero, a meu ver, dilacera a garantia fundamental do direito de greve assegurada pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 9º.

Assim, no exercício de um juízo preliminar, tenho por ausentes a fumaça do bom direito e o perigo da irreversibilidade do provimento antecipatório, não se verificando, pois, ilegalidade no ato da autoridade apontada como coatora.

Dessarte, INDEFIRO a liminar perseguida.

Oficie-se à autoridade apontada como coatora para prestar informações no prazo legal.

Notifique-se o litisconsorte passivo.

Publique-se.

Brasília-DF, 8 de outubro de 2010.

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

Juiz Relator Convocado

(*) Luiz Salvador é advogado trabalhista e previdenciarista em Curitiba-Pr, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Presidente da ALAL (www.alal.com.br), Representante Brasileiro no Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, do corpo de jurados do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) e do corpo técnico do Diap, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br

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