AS PERÍCIAS JUDICIAIS PARA A CONSTATAÇÃO DE DOENÇA OCUPACIONAL - Um gravissimo problema a desafiar uma solução urgente
José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva (*)
1 Introdução. 2 O exame de um caso concreto. 2.1 Considerações sobre o referido caso. 2.2 A busca da justiça do caso concreto. 3 A realização das perícias por Engenheiro e Médico do Trabalho. 3.1 A necessária compreensão da concausa e das doenças degenerativas. 3.2 A concessão de tutela antecipada para o pagamento dos salários após alta médica do INSS. 4 Considerações finais
Resumo
São inúmeros os processos em trâmite na Justiça do Trabalho, nos quais os trabalhadores alegam ter adquirido doença ocupacional no exercício de seu mister. Torna-se necessária, então, a designação de perícia médica, para a constatação de doença que leve à incapacitação laboral, bem como do nexo causal entre a doença e o trabalho executado.
Esta é uma situação angustiante, pois que não há um quadro próprio de peritos judiciais na Justiça especializada; os peritos que têm prestado seus serviços carecem, salvo exceções, de uma melhor capacitação técnica para a investigação da contribuição da causa laborativa no surgimento da doença, ainda que não seja a causa única (instituto da concausa); e os peritos desconhecem o grau de incapacidade para efeito de indenização de danos (art. 950 do Código Civil).
Urge, pois, que a Justiça do Trabalho, mormente por parte da Administração dos Tribunais e das associações de magistrados, envide todos os esforços possíveis para que haja uma melhoria dos serviços periciais, a fim de que se tenha uma efetiva tutela à saúde do trabalhador, seu bem mais importante no âmbito da relação de trabalho.
Até que essa realidade se transforme, neste breve artigo são formuladas algumas propostas para o enfrentamento do problema.
Palavras-chave:DOENÇA OCUPACIONAL. PERÍCIA MÉDICA. CONCAUSA E DOENÇAS DEGENERATIVAS.
1 Introdução
Desde a publicação da Emenda Constitucional n. 45/2004 (1) e, sobretudo, após o histórico julgamento do CC n. 7.204-1 – Minas Gerais, no qual o Tribunal Pleno do E. STF reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para o conhecimento das ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho – decisão de 29-6-2005 –, os juízes do trabalho passaram a se deparar com inúmeros casos de alegação de doença ocupacional.
Ocorre que nestes casos, invariavelmente, torna-se necessária a designação de perícia médica, para a constatação da existência de doença que leve à incapacidade laboral, bem como do nexo de causalidade entre a referida doença e o trabalho executado.
O que se tem visto, na maioria dos casos, é uma grande angústia dos juízes, primeiro, porque não conseguem um bom número de peritos que se dispõem a realizar tais perícias; segundo, porque dentre os integrantes do rol disponível, verifica-se a falta de capacitação dos louvados judiciais para a temática específica, mais precisamente para a averiguação da contribuição da causa laborativa no surgimento da doença, ainda que não seja a causa única (concausa); terceiro, por um desconhecimento a respeito do grau de incapacidade que se deve constatar para efeito de indenização de danos de ordem trabalhista (ou civil), diferentemente do que se exige para o deferimento de benefício previdenciário específico, como a aposentadoria por invalidez.
Urge, pois, que a Justiça do Trabalho, mormente por parte da Administração dos Tribunais e das associações de magistrados, envide todos os esforços possíveis para que haja uma melhoria dos serviços periciais, a fim de que se tenha uma efetiva tutela à saúde do trabalhador, seu bem mais importante no âmbito da relação de trabalho.
2 O exame de um caso concreto
Há tempo pretendo escrever algumas linhas sobre esse grave problema, mas o excesso de serviço me fez sempre adiar o plano. Entretanto, ao julgar um caso recentemente percebi que era chegada a hora de revelar minha angústia com a situação – que é comungada por vários colegas, pelas conversas que a respeito temos mantido –, propor algumas possíveis soluções e dar ensejo a um debate em torno da questão, do qual podem sair, sem dúvida, propostas muito melhores e mais adequadas.
Pois bem, o caso concreto tem as seguintes características:
a) Em sua causa de pedir, a autora alegou que foi acometida de tendinite crônica no ombro e antebraço direito, cervicalgia, tenossinovite e LER no membro superior direito, sendo que a lesão por esforço repetitivo teria sido adquirida no exercício do trabalho prestado à empresa-ré, fato que por esta foi contestado.
b) Foi designada perícia no local de trabalho, tendo o Perito Engenheiro constatado que a autora trabalhava na sala de corte do frigorífico e, no exercício de suas funções, refilava filés de frango (retirava os ossinhos de filés), dentre outras tarefas. E concluiu que, apesar de a empresa desenvolver todas as ações possíveis, especialmente a prática de ginástica laboral e o rodízio de atividades a cada período de sessenta minutos, os procedimentos desenvolvidos pela autora eram, indubitavelmente, repetitivos. E explicou que os movimentos eram repetitivos pelas seguintes razões: 1ª) o tempo despendido do início ao término de cada ciclo operacional era diminuto; 2ª) menor ainda era o lapso de tempo decorrido entre dois procedimentos iguais realizados pela autora; 3ª) a existência de esteiras mecânicas no setor de corte obrigava a autora a desenvolver suas atividades em lapso igual ou menor ao tempo previamente determinado, sob pena de comprometimento da execução das atividades posteriores; 4ª) a adoção de ginástica laboral e a contratação de fisioterapeutas pela ré são sinais claros de que as atividades desenvolvidas pela autora eram de natureza repetitiva.
c) A autora já havia ajuizado outra demanda em face da empresa, postulando a indenização correspondente ao período de garantia de emprego preconizado no art. 118 da Lei n. 8.213/91, sendo que no laudo pericial elaborado o Perito Médico averiguou que, ao iniciar suas atividades na empresa, a autora foi submetida a exame médico e considerada apta para o trabalho, mas num período de dois anos foi avaliada mais de vinte vezes pelo serviço médico da empresa em razão de suas queixas de dores referentes ao braço e ombro direito, razão pela qual concluiu que a doença da autora tem nexo de causalidade com seu labor. Com base no referido laudo pericial a ré foi condenada a pagar à autora a indenização postulada e interpôs recurso ordinário, mas a este foi negado provimento, tendo em vista que a autora ficou afastada do trabalho, recebendo benefício previdenciário, por quase um ano, e foi dispensada apenas dois dias após a alta médica do INSS. Além disso, a perícia médica comprovou que a autora praticava movimentos repetitivos, razão pela qual a doença de que é portadora (LER) tem nexo causal com o trabalho, conclusão que é reforçada pelo fato de a autora, quando admitida, ter sido considerada apta.
d) Ela tinha ajuizado, também, ação previdenciária em face do INSS, tendo o Perito Judicial, após a análise do histórico da autora e de ressonância magnética realizada em seu ombro direito – na qual se constatou tendinopatia do supra-espinhoso, bem como bursa subacromial/subdeltoidea –, concluído que ela apresenta um quadro clínico compatível com tenossinovite de ombro e braço direito decorrente de LER/DORT, e que se encontra em estado de incapacidade total para qualquer atividade laboral. E posteriormente, nos autos daquele mesmo processo, foi concedida à autora aposentadoria por invalidez, em razão de sua incapacidade definitiva.
e) Todo este histórico parece indicar que não havia outra solução possível que não fosse a de, primeiro, constatar que a autora encontrava-se incapacitada para o trabalho; segundo, que a doença de que é portadora – LER – decorre, inexoravelmente, do trabalho desempenhado na empresa-ré.
f) Entrementes, designada perícia médica nos autos do Processo em curso, o Perito Judicial, após breve relatório do procedimento e diligências realizados, passou à resposta dos quesitos apresentados pelas partes e concluiu, sem qualquer fundamentação baseada em exames realizados, que a autora é portadora de fibromialgia e encontrava-se apta para o trabalho. E afirmou, ainda, que a tendinopatia do supra-espinhoso apresentada na ressonância magnética não estava relacionada ao trabalho, pois que a autora não trabalhava com os membros superiores elevados acima da cabeça.
g) Dada a inconsistência daquela conclusão, foi designada a realização de nova perícia médica, nos termos dos arts. 437 e 438 do CPC.
h) Qual não foi a surpresa deste juiz ao verificar que a Perita nomeada – embora tenha feito, em seu laudo, análise detalhada do histórico da autora e considerações sobre o local de trabalho – não encontrou nenhuma doença relacionada ao trabalho. Ela concluiu que a autora é portadora de síndrome de impacto em ombro direito residual, conforme ressonância magnética já referida, cervicobraquialgia e fibromialgia, afirmando que a somatória dos diagnósticos caracteriza um quadro de incapacidade parcial permanente, com restrições para atividades que causam sobrecarga osteo articular – notadamente em coluna cervical e membro superior direito. Por fim, concluiu não haver nexo de causalidade entre as doenças verificadas e o trabalho realizado pela autora.
i) E por mais que a autora tenha impugnado o referido laudo e este juiz observado que a impugnação estava muito bem fundamentada, a Perita, por duas vezes, manteve a conclusão anterior, quanto à inexistência de nexo causal.
2.1 Considerações sobre o referido caso
Nem é preciso muito esforço para se constatar que a conclusão pericial, no caso concreto, está totalmente equivocada quanto ao nexo de causalidade.
Ora, o Perito Engenheiro já tinha evidenciado de forma satisfatória que os movimentos realizados no desempenho das tarefas eram, indubitavelmente, repetitivos.
Demais, se o trabalhador é admitido, faz exame admissional e é considerado apto para o trabalho, não havendo nos autos nenhuma prova, ou melhor, nenhum indicio de que haja uma causa extralaborativa a desencadear as doenças posteriores, a presunção, quase absoluta, é a de que o trabalho desempenhado agiu, no mínimo, como concausa no surgimento da doença.
A esse propósito, algumas questões podem ser colocadas, para a reflexão:
1ª) Por que presumir que a doença não decorre do trabalho, sem nenhuma justificativa médica convincente?
2ª) Por que não se pode presumir que a doença decorre do trabalho, mormente quando o trabalhador nenhuma doença apresentava antes de ser admitido?
3ª) Se o próprio legislador verificou que este tipo de situação é danosa para a sociedade e resolveu estabelecer o NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – por meio da Lei n. 11.430/2006, para que se possa presumir que a doença decorre do trabalho realizado, segundo estatísticas que demonstrem que determinada atividade econômica propicia, mais que outras, doenças, por que os peritos médicos insistem na comprovação cabal, irretorquível, da relação de causalidade entre a doença e o trabalho?
4ª) Por que não presumir o nexo causal, se até na esfera administrativa, para a concessão de benefícios previdenciários, agora se presume a relação de causalidade, invertendo-se o ônus da prova, nos moldes do art. 337 e §§ do Decreto n. 3.048/99?
5ª) Se o Perito não consegue mensurar os fatores extralaborais para o aparecimento da doença, qual o fundamento para a conclusão de que a doença não tem relação com o trabalho?
6ª) Por que presumir que a doença é degenerativa quando há evidências de que o trabalho contribuiu, em alguma medida, para o surgimento ou antecipação da doença?
Outrossim, de se observar que nas “lides” trabalhistas não se investiga incapacidade total para todo e qualquer trabalho, que ensejaria a concessão de aposentadoria por invalidez, mas simplesmente a incapacidade para o exercício das atividades inerentes ao ofício ou profissão do trabalhador, nos moldes do art. 950 do Código Civil.
De tal sorte que, se o trabalhador não pode mais se ativar no corte de aves, está totalmente incapacitado para o seu ofício. Principalmente se ele se encontrar aposentado por invalidez, não existindo nenhuma prova de que tenha havido fraude na concessão do benefício, mormente quando concedido mediante sentença judicial.
2.2 A busca da justiça do caso concreto
É em casos como este que o juiz sente pesar em seus ombros o peso da responsabilidade de seu cargo. Isso porque a sociedade espera do juiz não um mero aplicador do texto legal, não um conformista na análise da prova produzida, nem mesmo a pericial, necessária quando o caso concreto depender de conhecimento especial de técnico para a sua elucidação.
Em todos os casos, mas principalmente naqueles em que a solução apontada pela interpretação da lei – inclusive das regras sobre a prova – levam a uma situação de injustiça, deve o juiz buscar a equidade, ou seja, a justiça do caso concreto, na milenar definição de Aristóteles.
Em verdade, a equidade é superior à justiça, pois o eqüitativo é justo, “porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal”. De modo que, “quando a lei estabelece uma lei geral e surge um caso que não é abarcado por essa regra, então é correto (visto que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade), corrigir a omissão, dizendo o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente, e que teria incluído na lei se tivesse previsto o caso em pauta” (2).
Com efeito, o juiz não deve ser um mero aplicador de leis, tampouco conformar-se com interpretações dadas como irrecusáveis, ainda que seja a interpretação técnica de um perito judicial. Antes, deve basear-se na lógica do razoável, conforme ensinamento irrepreensível de Recaséns Siches, o grande filósofo que fez acertada crítica aos métodos de interpretação do direito, propondo em lugar deles que o intérprete busque, sempre, uma solução que seja razoável, adequada e promova a justiça do caso concreto, de modo que a lógica do razoável é a versão contemporânea da equidade.
Para o mencionado filósofo, o único método de interpretação é o de que o juiz, em todos os casos, “deve interpretar a lei precisamente do modo que leve à conclusão mais justa para resolver o problema que tenha sido apresentado à sua jurisdição”. É o método do logos de lo razonable, que supera a pluralidade de métodos de interpretação do direito (literal, subjetivo, subjetivo-objetivo, objetivo, consuetudinário, histórico, analógico, equidade etc.). Destarte, diante de qualquer caso, fácil ou difícil, o juiz deve proceder de acordo com a razoabilidade, observando a realidade e o sentido dos fatos, em conformidade com os valores nos quais se inspira a ordem jurídica positiva, ou com os valores complementares produzidos pelo próprio juiz, mas em harmonia com o referido sistema positivo, e, conjugando uns com os outros, e vice-versa, “chegar à solução satisfatória”. E satisfatória é a solução que leva em conta a ordem jurídica justa, vale dizer, “lo que el orden jurídico considera como sentido de justicia” (3).
Nessa busca da solução justa, pode e deve o juiz cercar-se das máximas de experiência comum, adquiridas pela observação do que ordinariamente acontece em determinadas situações, na sua região, ou mesmo em específicas atividades empresariais, nos termos do art. 335 do CPC.
A título exemplificativo, podem ser apontadas as situações especiais dos cortadores de cana-de-açúcar e dos trabalhadores em frigoríficos.
Quanto aos primeiros, eles exercem um trabalho excessivamente penoso, com um esforço físico desmedido, incomensuravelmente maior do que o despendido pelos outros trabalhadores, além de repetirem os mesmos movimentos inúmeras vezes ao dia.
Há um estudo demonstrando que os cortadores de cana-de-açúcar têm uma intensa movimentação diária em seu trabalho, executando de 10.000 a 12.000 movimentos do membro superior por dia, numa jornada de oito horas ou mais, ao que se soma o fato de que precisam executar de vinte e cinco a trinta movimentos de levantar e abaixar o membro superior por minuto (cerca de 14.400 movimentos numa jornada de oito horas diárias). Associada à intensa movimentação dos membros superiores ainda há a transmissão mecânica do impacto da lâmina do podão no colmo da cana-de-açúcar ao braço do trabalhador (4) .
Essa intensa atividade física, de movimentação e de esforços repetitivos, leva a constantes afastamentos dos trabalhadores por motivo de doenças, especialmente a chamada LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Além disso, provoca um alto dispêndio energético e, portanto, fadiga, havendo traços indicativos de envelhecimento precoce nos trabalhadores rurais que lidam com o corte da cana-de-açúcar, sendo que o envelhecimento, embora não seja doença ocupacional, provoca a redução da capacidade produtiva da pessoa (5).
Como se não bastasse, no ano de 2005 foram noticiadas pela imprensa várias mortes de cortadores de cana no Estado de São Paulo, atribuídas ao excesso de trabalho. Embora as investigações ainda estejam em curso, há indícios de que as mortes decorreram da fadiga provocada pelo excesso de atividade laborativa. Se há estudo comprovando que para a colheita de dez toneladas de cana-de-açúcar por dia o trabalhador desfere cerca de 10.000 mil golpes de podão, mostra-se bastante razoável a interpretação de que as mortes tenham alguma relação com o excesso de trabalho porque os cortadores que faleceram tinham cortado 12 ou mais toneladas de cana por dia, sendo que um cortador faleceu após cortar 25 toneladas de cana em um só dia (6).
Essa realidade não pode ser ignorada pelo juiz, ao julgar casos em que cortadores de cana-de-açúcar aleguem ter adquirido doença ocupacional no desempenho de seu mister.
No que diz respeito aos trabalhadores de frigoríficos, desde 2004 tenho verificado, em duas cidades do interior do Estado de São Paulo – nas quais atuei como Juiz Titular de Vara –, que tais laboristas desenvolvem um serviço altamente repetitivo, em um ambiente de extrema concentração, “perigoso” – os trabalhadores laboram um ao lado do outro, junto às esteiras mecânicas (norias), munidos de afiadas facas de corte – e, em certa medida, deprimente, pois estão a fatiar um ex-ser vivo.
Outrossim, em inúmeros casos o Perito Engenheiro, após medições do tempo despendido em cada ciclo operacional, tem verificado que os trabalhadores da sala de cortes dos frigoríficos exercem mais de vinte mil movimentos diários no talhe de aves. Há relatos de exigência de corte de quatro ou cinco partes – coxas, asas e filés – por minuto.
Como se não bastasse, há incontáveis afastamentos dos trabalhadores das empresas do setor, com queixas reiteradas de extrema dor nos tendões, nos antebraços e nos ombros, em razão da velocidade da produção. É possível verificar, inclusive, um altíssimo índice de faltas ao trabalho, com a alegação dos trabalhadores de que é insuportável o ritmo de serviço exigido pelas empresas, além do que sempre referem a recusa no recebimento de atestados médicos para justificar as ausências.
E, o que é pior, em muitas ocasiões o que se verifica é simplesmente o “descarte” dos funcionários que não conseguem mais alcançar a produção almejada pelas empresas, os quais são dispensados logo após a alta médica do INSS. Deixam, assim, as empresas de cumprir sua função social, sendo que poderiam readaptar o empregado para outra atividade que não exija os mesmos esforços repetitivos.
Em outros casos, nota-se um verdadeiro “jogo de empurra”, pois que o trabalhador recebe alta do INSS e volta à empresa, mas não consegue trabalhar; a empresa o orienta a voltar ao Instituto, por vezes sem a documentação necessária, e o trabalhador fica “de um lado para o outro”, sem receber salário ou benefício previdenciário.
Também essa realidade não pode ser ignorada pelo juiz, ao se deparar com casos em que trabalhadores de frigoríficos aleguem ter adquirido doença do trabalho, especialmente LER, no desempenho de sua atividade.
Enfim, se não houver prova alguma de causa extralaborativa a desencadear a referida doença – LER –, a solução mais razoável ou equânime, na busca da justiça do caso concreto, sem dúvida, é a de que a doença decorre, única e exclusivamente, do trabalho desempenhado, seja no corte de cana-de-açúcar, seja na sala de corte de frigoríficos, a título de mero exemplo.
3 A realização das perícias por Engenheiro e Médico do Trabalho
Agora, se os peritos que atuam na Justiça do Trabalho estivessem melhor capacitados para a investigação dessa realidade, mais afeitos ao funcionamento dessa Justiça especializada, à valoração dos fatos trabalhistas normalmente feita pelos juízes, não haveria tanto sofrimento para a prolação das sentenças e, certamente, muitas injustiças seriam evitadas.
Para isso se torna premente o investimento em capacitação profissional dos peritos que prestam seus zelosos trabalhos à nossa Justiça, bem como a adoção de quadros próprios de peritos, para que os juízes não fiquem a depender do oferecimento do serviço por engenheiros ou médicos que se disponham a atuar como auxiliar do juízo.
Enquanto a realidade não se transforma, penso que algumas medidas podem ser tomadas, para que haja efetiva tutela reparatória à saúde do trabalhador, quando de fato violada.
Sendo indispensável a realização de perícia para a constatação da doença e do nexo de causalidade com as funções exercidas – a menos que o empregador admita a doença ocupacional, situação que de tão rara pode ser considerada hipótese meramente acadêmica –, tenho ser recomendável a realização de duas perícias, com espeque no art. 431-B do CPC, acrescentado pela Lei nº 10.358/2001:
a) A primeira por Engenheiro do Trabalho, a fim de se transcrever com a maior precisão possível as condições em que o serviço foi prestado na empresa, especialmente para verificar as condições ergonômicas em que o trabalho era executado e a observância das normas regulamentares (NRs).
b) A segunda por Médico, de preferência com Especialização em Medicina do Trabalho. Sebastião Geraldo de Oliveira (7), uma das maiores autoridades sobre o tema, entende que a perícia nas ações indenizatórias de danos decorrentes de acidente do trabalho ou doença ocupacional deve ser realizada por médico que tenha concluído curso de especialização em Medicina do Trabalho, com o devido registro dessa habilitação perante o Conselho Regional de Medicina.
Além disso, penso que o juiz precisa formular quesitos apropriados para o sucesso dessas perícias. Apresento como mera sugestão, a partir de proposta de Sebastião Geraldo de Oliveira (8), os seguintes quesitos do juízo:
1º) para o Engenheiro do Trabalho – a) A empresa cumpria todas as normas de segurança e prevenção indicadas na legislação própria, bem como outras normas técnicas aplicáveis ao caso? Indicar quais NRs o(a) empregador(a) estava obrigado(a) a cumprir; b) O(a) autor(a) recebeu treinamento adequado para o exercício da função em que houve o acidente ou o acometimento de doença ocupacional?; c) O (a) autor (a) cumpria somente a jornada normal de trabalho ou trabalhava ordinariamente em horas extras?; d) O (a) autor (a) gozava regularmente os intervalos intrajornada e interjornadas, os repousos semanais, os feriados e os períodos de férias?; e) Algum fator de caráter organizacional (inclusive exigência de produtividade excessiva ou tratamento excessivamente rigoroso) pode ter contribuído para o aparecimento da doença ou para a ocorrência do acidente?; f) No setor de trabalho do (a) autor (a) ocorreram casos semelhantes nos últimos cinco anos?;
2º) para a perícia médica – a) O (a) autor (a) foi acometido (a) por alguma doença ocupacional? Se sim, demonstrar o nexo de causalidade entre o trabalho e a doença apresentada; b) O exercício das atividades do (a) autor (a) atuou como concausa (mínima, média ou máxima) no aparecimento ou agravamento da doença ou na ocorrência do acidente do trabalho?; c) Houve concausa mensurável (mínima, média ou máxima) relativa a fatores extralaborais?; d) Quais as alterações e/ou comprometimentos que a doença diagnosticada acarretou na saúde do (a) autor (a) e na sua capacidade de trabalho?; e) Qual a redução da capacidade laboral (mínima, média ou máxima) do (a) autor (a)? f) Há viabilidade do seu aproveitamento no mercado de trabalho, dentro da sua área de atuação profissional ou em funções correlatas?; g) Há possibilidade efetiva de reversão do quadro para aptidão normal de trabalho (9)?
Assim, será possível uma boa solução das intricadas questões envolvendo doenças ocupacionais e acidentes do trabalho por equiparação, derivados de concausas, estabelecendo-se, com precisão, o nexo causal entre o trabalho e a agressão à saúde do trabalhador.
Ainda no tocante à perícia, questão interessante é a atinente à recusa do periciando, ou relativa ao fato de reiteradamente não comparecer ao local indicado, no horário determinado, para a realização do exame médico.
Questiona-se sobre a possibilidade de aplicação dos arts. 231 e 232 do Código Civil – os quais tratam da recusa a exame médico necessário e da recusa à perícia médica ordenada pelo juiz, respectivamente –, no processo do trabalho, em ações indenizatórias de danos decorrentes de acidente do trabalho ou doença ocupacional. Tenho que, na reiteração do comportamento de não comparecer por parte do trabalhador, verifica-se sua deslealdade processual, agindo de forma temerária, autorizando a presunção de que não é portador de doença ocupacional ou de que não teve redução da capacidade laborativa (10).
3.1 A necessária compreensão da concausa e das doenças degenerativas
Como já se afirmou, torna-se extremamente necessário que os Tribunais trabalhistas, ainda que por meio das Escolas de Magistratura, desenvolvam cursos apropriados à formação dos peritos judiciais que atuam na verificação de doenças ocupacionais e de redução de capacidade laborativa – esta inclusive no acidente típico.
Tenho verificado que os peritos médicos que atuam na Justiça do Trabalho, salvo gratas exceções, não conhecem a fundo a dinâmica do processo do trabalho, a finalidade da Justiça especializada e, na área técnica que lhes é própria, desconhecem os reais contornos dos institutos nexo de causalidade e concausa. Desse modo, inclinam-se, boa parte das vezes, por considerar a doença adquirida pelo trabalhador como sendo degenerativa.
A confusão começa quando os peritos judiciais não admitem – ou ignoram – o real significado de nexo causal, sendo que à concausa nem dão a devida atenção. O que se exige para a averiguação de doença ocupacional é apenas o nexo de causalidade e não o nexo etiológico.
Quanto ao nexo causal,
[...] constitui a relação de causa e efeito entre o evento e o resultado. Tecnicamente falando não se podem utilizar como sinônimos ‘nexo causal’ e ‘nexo etiológico’, como muitos acreditam. O primeiro é mais abrangente, pois inclui a concausalidade e os casos de agravamento. Já o segundo é o que origina ou desencadeia o dano laboral, sendo portanto mais restrito. Por outro lado, em direito infortunístico, para se estabelecer a relação de causalidade, não se exige a prova da certeza, bastando o juízo de admissibilidade. Também há que se frisar que em infortunística não se repara a lesão ou a doença, mas a incapacidade para o trabalho (11).
É necessário, portanto, ter bem nítida a diferença entre nexo causal e nexo etiológico, sendo que a Etiologia é a parte da Medicina que trata da causa das doenças. Ocorre que, para a caracterização da doença ocupacional, não há necessidade de que se descubra a verdadeira causa da doença, bastando que haja uma relação de causalidade – ainda que não seja única –, entre a doença e o trabalho. Por isso, a Lei n. 8.213/1991 prevê nexo causal indireto e até mesmo por ficção legal, pela simples circunstância de o acidente ter ocorrido durante o curso da atividade laboral, citando-se, como exemplo, as situações previstas no art. 21, inciso II, da referida Lei.
Ainda a respeito do tema, José de Oliveira observa que no art. 21 da Lei n. 8.913/1991, que trata dos casos de acidente por equiparação, há hipóteses de causalidade direta e concorrente (inciso I – concausa) e de causalidade indireta ou por equiparação (inciso II), havendo acidentes do trabalho “impróprios”. Aduz que o acidente-tipo próprio é o resultante de causalidade direta, como, por exemplo, a amputação de um quirodáctilo na prensa; as doenças têm causalidade indireta, pois a causa e o efeito estão intimamente ligados ao trabalho; e que nos acidentes por equiparação a causalidade é indireta, por ficção da lei (12).
Outrossim, de se registrar que, havendo dúvida sobre a existência ou não de nexo causal (ou etiológico) entre a atividade laborativa e a doença que acomete o trabalhador, há farta jurisprudência no sentido da presunção do nexo causal, na aplicação do princípio in dubio pro misero, como enfatizado por Teresinha Lorena Pohlmann Saad (13). Ela cita jurisprudências nesse sentido publicadas na Revista RT, edições n. 328/655, 328/656, 372/243, 348/484, 451/199 e outras.
A respeito da concausa, que também é equiparada ao acidente do trabalho típico, nos moldes do art. 21, inciso I, da Lei. 8.913/1991, de se ter bem nítida a idéia de concausalidade, pois que não é necessário que o acidente típico ou a doença ocupacional sejam a causa única da incapacidade laborativa, Ainda que haja uma causa extralaborativa, se a causa laborativa contribuiu diretamente para a perda ou redução da capacidade de trabalho, ter-se-á que mensurar o grau dessa contribuição, para efeito de imposição da obrigação de reparar o dano pelo empregador.
De acordo com Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, a concausalidade
[...] nada mais é que a aceitação de que, na ocorrência acidentária, podem concorrer uma causa vinculada ao trabalho e outras tantas sem qualquer relação com a atividade laboral, denominadas de concausas. A concausalidade, portanto, é circunstância independente do acidente e que à causa deste se soma para dar o resultado danoso final. O fundamento lógico da concausalidade é que a causa traumática ou o fator patogênico sozinhos não geram idênticas conseqüências na totalidade de pessoas, isto porque cada uma tem maior ou menor poder de reação a tais causas agressivas, ou maior ou menor receptividade a seus aspectos negativos “(14)”.
Miguel Augusto Gonçalves de Sousa exemplifica com o caso de empregado que se revela portador de hérnia inguinal após a prática de determinado esforço no exercício de seu trabalho na empresa. Esclarece que, embora os exames médicos posteriores possam revelar que a hérnia seria decorrente de predisposição mórbida da vítima, mesmo assim trata-se de evento indenizável (de acidente do trabalho), pois o trabalho contribuiu, ainda que em parcela mínima, para a manifestação da doença. Conclui que, em síntese, a contribuição do infortúnio, ainda que mínima, para que a doença congênita se revele ou se agrave, conduzirá à responsabilidade do empregador, o qual somente será isento se comprovar a inexistência de qualquer relação de causa e efeito entre o fato e a doença (15).
Outrossim, como já se ressaltou alhures, uma vez demonstrado por perícia técnica que o trabalhador adquiriu doença do trabalho por causa das condições especiais em que seu mister era prestado, não pode o empregador alegar que, pelo pequeno período de prestação dos serviços, a doença não foi adquirida em sua empresa, mas em empregos anteriores, mormente quando o trabalhador tenha sempre desempenhado as funções para as quais foi contratado. Isso ocorre com bastante freqüência no setor sucroalcooleiro, no qual os cortadores de cana-de-açúcar têm adquirido, cada vez mais, doenças ocupacionais em razão dos esforços repetitivos e da postura exigida para o referido corte (tenossinovites, lombalgias etc.). Até porque bastaria que a empresa tivesse rigor no exame médico admissional para constatar que o trabalhador já era portador de alguma doença relacionada ao trabalho. Se não o fez, ou se atestou a aptidão laborativa do trabalhador, não pode posteriormente alegar que a doença não foi adquirida em seu estabelecimento (16). A presunção lógica após a admissão do trabalhador, em que ele foi considerado apto, se porventura alguma doença, ainda que congênita, se revele posteriormente, é a de que o trabalho para isso tenha contribuído (17).
Não há falar, em tais hipóteses, nem sequer em concausa para a doença ocupacional, porquanto a causa extralaborativa não está relacionada ao trabalho em si. Quando muito se pode admitir, por eqüidade, uma atenuação da responsabilidade do empregador quando efetivamente comprovado que o trabalho desempenhado na empresa demandada, por si só, não teria ocasionado a doença laboral (18).
Por isso se deve compreender que as doenças excluídas por força do § 1º do art. 20 da Lei. 8.913/1991, principalmente a doença degenerativa, são aquelas em que não há qualquer contribuição da causa-trabalho, e geralmente se revelam quando a pessoa tem uma idade mais avançada, não sendo razoável que o trabalhador tenha uma doença degenerativa antes dos quarenta anos de idade, salvo em hipóteses excepcionais.
A doença degenerativa não se trata de doença ocupacional porque tem como causa o desgaste normal do corpo humano, a não ser que a doença tenha um agravamento por condições especiais do trabalho, ou até um agravamento pós-traumático, por exemplo, a hérnia de disco, as artroses e outras. Observa Tupinambá que a doença degenerativa não é doença ocupacional pela ausência de nexo de causa e efeito com o trabalho, tendo em vista que provém de uma causa natural, por simples fenomenologia involutiva, sendo o que normalmente ocorre com as doenças da coluna, tais como espondiloartrose, artrose, lombalgias em geral e outras doenças. Entretanto, ressalva o referido autor que, se a doença degenerativa se encontrava em estágio inicial, ainda não incapacitante, e só aparece após uma “causa-trabalho”, a esta se soma como concausa preexistente, razão pela qual, pelo princípio da concausalidade, não há falar na exclusão ora analisada (19).
Daí se verifica, portanto, quão necessária se faz a compreensão por parte dos senhores peritos médicos do aspecto jurídico que envolve a verificação das doenças ocupacionais, sendo que o Direito, assim como a Medicina, não se trata de uma ciência exata e por isso não se pode exigir certeza absoluta sobre a contribuição da causa laborativa para o aparecimento da doença ocupacional.
3.2 A concessão de tutela antecipada para o pagamento dos salários após alta médica do INSS
Como já mencionado anteriormente, uma situação muito angustiante pela qual têm passado vários trabalhadores é a de receberem alta médica do INSS, retornarem à empresa e não conseguirem trabalhar, sendo que em tais casos a empresa não lhes paga os salários, de modo que os trabalhadores ficam sem seu meio de subsistência.
Ocorre que esta situação é, indubitavelmente afrontosa à dignidade humana dos trabalhadores, de modo que há uma nítida violação do princípio ontológico insculpido no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, um dos fundamentos do próprio Estado Democrático e Social brasileiro. Ora, o trabalhador não pode se tornar objeto de contenda entre a empresa e o INSS, pois estes, a la Pilatos, ficam lavando as mãos quando um funcionário recebe alta da Autarquia Previdenciária, por vezes, indevidamente, retorna ao trabalho, não consegue trabalhar e, por outro lado, não é submetido a exame médico sério, que procure diagnosticar eventual problema de saúde e sua origem.
Em suma, o INSS não ampara o trabalhador em situação de doença e a empresa não cumpre sua função social, deixando de pagar salários aos trabalhadores que têm alta médica e não conseguem trabalhar, ignorando os termos do art. 421 do Código Civil. Se o salário tem natureza alimentar e, até prova em contrário, a alta médica do INSS o considera apto ao trabalho, deve a empresa ser responsabilizada pelo pagamento dos salários do período posterior à alta médica, ainda que não haja prestação de serviço, até que seja novamente concedido o benefício previdenciário, cumprindo, assim, sua função social e respeitando o princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Com estes fundamentos, ainda no ano de 2004, antes mesmo do alargamento das competências da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional n. 45/2004, deparando-me com um caso que gerava perplexidade – a trabalhadora mal conseguia andar dada a gravidade de seus problemas na coluna lombar – deferi, de ofício, tutela antecipada à trabalhadora, determinando que a empresa – um frigorífico – efetuasse o pagamento dos seus salários, a partir da data da alta médica, sob pena de execução para tanto e de imposição de multa diária em caso de descumprimento da obrigação, nos termos do art. 273, § 3º, c/c o art. 461, §§ 4º e 5º, ambos do CPC, diante da autorização do art. 769 da CLT.
E de lá até esta parte tenho concedido tutela antecipada em casos idênticos, pois que não é possível que o trabalhador fique à mercê da contenda entre a empresa e o INSS, sem ter recursos para sua própria sobrevivência e de sua família.
Penso que esta é uma medida necessária, até que se resolva de algum outro modo o impasse que tem sido gerado pela conduta inaceitável dos peritos do INSS, seguindo determinações superiores, e pela grave omissão das empresas quanto à matéria.
E esta medida pode ser adotada também quando houver pedido de reintegração ou de declaração de nulidade da dispensa porque o trabalhador se encontrava doente, principalmente quando se tratar de doença ocupacional adquirida no curso da relação de emprego. Até que a perícia seja realizada e se possa decidir o conflito, o trabalhador precisa de um amparo e, neste caso, a empresa tem de cumprir sua função social, não podendo a Justiça especializada também se omitir nessa delicada questão. Por óbvio, a medida será tomada em casos extremos, nos quais o juiz se convença da verossimilhança da alegação e da prova inequívoca de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito à sobrevivência.
4 Considerações finais
Em breve conclusão, penso que é chegada a hora de a Justiça do Trabalho preparar-se de modo mais adequado para uma prestação jurisdicional diferenciada no tocante à temática da doença ocupacional. O ideal é que houvesse Varas especializadas para as ações indenizatórias de acidente do trabalho, nas quais os juízes e servidores estivessem vocacionados ao conhecimento da matéria. E que houvesse um quadro próprio de peritos judiciais.
Enquanto essa especialização não ocorre, algumas medidas devem ser tomadas para que seja possível a realização da ordem jurídica justa, vale dizer, da justiça do caso concreto.
Uma grande contribuição para esse desiderato seria a adoção, por parte dos Tribunais trabalhistas, de cursos de capacitação técnica dos peritos que atuam na Justiça especializada, para que possam compreender melhor a temática que lhes é submetida, especialmente a averiguação do nexo de causalidade entre o trabalho e a doença adquirida, bem como do instituto da concausa. Outrossim, essa capacitação os levaria à percepção de que a incapacidade a se constatar para efeito de indenização de danos de ordem trabalhista não tem a mesma extensão que a necessária para o deferimento de benefício previdenciário, de acordo com art. 950 do Código Civil.
Até que isso se torne realidade, penso que os juízes do trabalho, sempre empenhados na busca da solução justa, devem procurar estabelecer diretrizes para os peritos de sua confiança, designando tanto perícia no local de trabalho quanto perícia médica, formulando quesitos que procurem elucidar o caso específico e, se necessário, designando segunda perícia. E devem ter, ainda, uma postura pró-ativa, em nome do chamado ativismo judicial, analisando com extrema cautela as conclusões periciais – seja em resultado positivo, seja em resultado negativo –, para verificar se tais conclusões estão em conformidade com as especificidades do caso concreto, levando em consideração as máximas de experiência comum, interpretando o laudo sempre de modo a buscar a solução mais razoável, impedindo a injustiça.
Em suma, deve aplicar a equidade, conforme lhe autoriza o art. 852, § 1º, da CLT. E para essa solução justa, por vezes, será necessária a concessão de tutela antecipada, ainda que de ofício, para que o trabalhador possa receber salários durante o período de tramitação do processo em que se discute a aquisição de doença ocupacional no curso da relação de trabalho. Será preciso coragem – ou boa vontade – para tanto, mas não se pode perder de vista a afirmação de Marinoni, no sentido de que não há efetividade sem riscos, sendo que “o juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal”(20).
Referências bibliográficas
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CITAÇÕES
(1) A Emenda Constitucional n. 45 foi promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no dia 8-12-2004, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, e publicada no dia 30-12-2004.
(2) ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 125.
(3) SICHES, Luís Recaséns. Tratado General de Filosofia del Derecho. México: Porruá, 1959, p. 660-661.
(4) GOMES, Jorge da Rocha; FISCHER, Frida Marina; BEDRIKOW, Bernardo. Trabalho da criança e do adolescente no corte da cana-de-açúcar. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 26, n. 97-98, 2001, p. 16-17.
(5) RUMIM, Cassiano Ricardo. Trabalho rural e saúde: um estudo das condições de trabalho e sua relação com a saúde dos cortadores de cana-de-açúcar do município de Pacaembu – SP. 2004. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2004, p. 89-90.
(6) SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. A saúde do trabalhador como um direito humano: conteúdo essencial da dignidade humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 204.
(7) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. São Paulo: LTr, 2005, p. 238.
(8) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional, p. 240-241.
(9) SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador. São Paulo: LTr, 2008, p. 99. Em verdade, os quesitos das letras “c” e “d”, apresentados para o Engenheiro do Trabalho, dificilmente poderão ser respondidos pelo perito, já que, para tanto, precisaria verificar toda a documentação relativa à jornada de trabalho, fato que pode ser melhor analisado pelo próprio juiz, quando da valoração da prova documental apresentada pelo empregador. E ao médico pode ser acrescentado o seguinte quesito: O (a) autor (a) recebeu benefício previdenciário por acidente do trabalho (B-91), ainda que por presunção (art. 337 e §§ do Decreto n. 3.048/99)?
(10) SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador, p. 215.
(11) MONTEIRO, Antonio Lopes; BERTAGNI, Roberto Fleury de Souza. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais: conceito, processos de conhecimento e execução e suas questões polêmicas. 3. ed. atual. de acordo com o Código Civil de 2002, as normas sobre precatórios e o novo FAP. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 14-15.
(12) OLIVEIRA, José de. Acidentes do trabalho: teoria, prática, jurisprudência. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 24.
(13) SAAD, Teresinha Lorena Pohlmann. Acidentes do trabalho: estudos doutrinários e pesquisas “de campo”: jurisprudência. São Paulo: LTr, 1988, p 133-134.
(14) NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Curso de direito infortunístico. 3. ed. Porto Alegre: Fabris, 1992, p. 45.
(15) SOUSA, Miguel Augusto Gonçalves de. Acidentes do Trabalho. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1964, v. 1, p. 35-36.
(16) SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador, p. 102.
(17) SOUSA, Miguel Augusto Gonçalves de. Acidentes do Trabalho, p. 37.
(18) SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador, p. 102-103.
(19) NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Curso de direito infortunístico, p. 61.
(20) MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 124.
(*) José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva é Juiz do Trabalho, Titular da Vara de Orlândia (SP), Mestre em Direito das Obrigações pela UNESP/SP, Doutorando em Direito Social pela Universidad de Castilla-la Mancha (Espanha) e Professor do CAMAT – Curso Avançado para a Magistratura do Trabalho – em Ribeirão Preto (SP).
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sexta-feira, 5 de novembro de 2010
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